ATA DA QÜINQUAGÉSIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA QUARTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 24.11.1992.

 


Aos vinte e quatro dias do mês de novembro do ano de mil novecentos e noventa e dois reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Qüinquagésima Primeira Sessão Solene da Quarta Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada à entrega do Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Senhora Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres, concedido através do Projeto de Lei do Legislativo nº 66/92 (Processo nº 929/92), e do Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Doutor Boris Nadvorny, concedido através do Projeto de Resolução nº 22/92 (Processo nº 1160/92), ambas as proposições de autoria da Vereadora Letícia Arruda. Às dezessete horas e trinta minutos, constatada a existência de "quorum", o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Dilamar Machado, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; Senhor Olívio Dutra, Prefeito Municipal de Porto Alegre; Doutor Júlio Roberto Hocsman, Secretário Estadual da Saúde e do Meio Ambiente; Doutora Mila Cauduro, Secretária Estadual da Cultura; Senhora Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher e Homenageada; Doutor Boris Nadvorny, homenageado; Senhora Zulma de Almeida, esposa do Homenageado; e Vereadora Letícia Arruda, Secretária "ad hoc". Em prosseguimento, o Senhor Presidente pronunciou-se acerca da solenidade e concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. A Vereadora Letícia Arruda, proponente e em nome das Bancadas do PDT, PMDB, PTB e PPS, discorreu acerca da importância do trabalho dos Homenageados em prol do desenvolvimento de Porto Alegre, declarou terem Suas Excelências sempre lutado na busca de uma sociedade mais justa, onde homens e mulheres preencham igualmente os mesmos espaços, sem preconceitos e bitolamentos de qualquer espécie. O Vereador João Dib, em nome da Bancada do PDS, salientou a justeza da homenagem hoje prestada pela Casa, analisando o significado dos títulos entregues, como exemplo de valorização de um trabalho responsável, consciente e positivo a favor da comunidade. E o Vereador João Motta, em nome da Bancada do PT, congratulou-se com os Homenageados, destacando a coragem com que a Senhora Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres sabe distinguir e enfrentar os problemas da mulher brasileira e dizendo estar a luta das mulheres inserida na luta pela transformação da nossa sociedade. Na ocasião, o Senhor Presidente registrou a presença, no Plenário, dos Senhores Índio Vargas, ex-Vereador deste Legislativo; Francisca Brizola; Télia Negrão, representante da União Brasileira de Mulheres; Magali Barbieri, representante do Conselho Estadual de Mulheres; Teresinha Verbo, Presidente da União de Mulheres; Márcia Camargo, Coordenadora da Casa de Apoio Viva Maria; Lóris Groseti, Presidente da Associação de Diplomados do Rio Grande do Sul; Marília Guadi, Conselheira Geral do Clube de Mães; Danila Ortega, representante da Associação Porto-Alegrense de Cidadãos. A seguir, o Senhor Presidente convidou os presentes a, de pé, assistirem à entrega, pela Vereadora Letícia Arruda e pelo Prefeito Olívio Dutra, da Medalha relativa ao Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Senhora Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres e do Diploma relativo ao Título Honorífico de Cidadão Emérito ao Senhor Boris Nadvorny. Em prosseguimento, o Senhor Presidente concedeu a palavra aos Homenageados, que agradeceram os títulos recebidos, falando de suas vivências em Porto Alegre e de suas atuações na busca de uma sociedade mais justa e igualitária. Após, o Senhor Presidente convidou o Vereador João Motta a prestar especial à Senhora Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres, agradeceu a presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os trabalhos às dezoito horas e quarenta e seis minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelo Vereador Dilamar Machado e secretariados pela Vereadora Letícia Arruda, Secretária "ad hoc". Do que eu, Letícia Arruda, Secretária "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente e 1º Secretário.

 

 


O SR. PRESIDENTE: Convido os presentes para que, de pé, ouçamos o Hino Nacional.

 

(É executado o Hino.)

 

O SR. PRESIDENTE: Concedo a palavra à Verª Letícia Arruda, autora das proposições, que falará em nome das Bancadas do PDT, PMDB, PTB e PPS.

 

A SRA. LETÍCIA ARRUDA: (Menciona os componentes da Mesa.) Amigos dos nossos homenageados, companheiros de luta; minha querida Cotinha e companheiros desta Casa.

Homenageamos nesta tarde duas personalidade distintas: um Homem e uma Mulher que acima de tudo se preocupam com seus semelhantes. Amar as pessoas! Amar o povo de Porto Alegre! Ajudar indivíduos e grupos sociais em seu crescimento, independente da expectativa de receber alguma coisa em troca! Tudo para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa onde o homem e a mulher tenham uma qualidade de vida melhor.

Estas são as características dos nossos homenageados: Lícia Peres, socióloga, e Bóris Nadvorny, médico. Ambos lutaram e prestaram seu apoio ao engrandecimento do ser humano, dos grupos sociais, dos povos.

"As idéias nada podem realizar. Para realizar as idéias são necessários homens que ponham a funcionar uma força prática" já dizia Marx.

Lutar pela transformação da realidade social, pela justa distribuição de renda para todos, onde não haja exploradores e explorados, preconceitos de espécie alguma, onde homens e mulheres busquem igualmente os mesmos espaços.

Lutar pelo crescimento do indivíduo, pelo desenvolvimento de um povo é a essência dos nossos homenageados. E lutaram com uma paixão, uma tenacidade e um êxito como poucos.

De um lado Lícia Peres, nascida na Bahia, que, ao radicar-se em Porto Alegre, adotou nossa Cidade com sua e desencadeou uma luta pela efetivação de políticas públicas, de igualdade entre as pessoas de todas as classes sociais. Viúva do companheiro Glênio Peres, Lícia sempre compartilhou do mesmo anseio na marcha da contribuição pelo desenvolvimento da história humana. E a história de toda a sociedade até hoje tem sido a história das lutas de classe!

Lícia sempre esteve à frente de movimentos em defesa dos direitos de todos os cidadãos, pela sua atividade orientada em busca da convivência fraterna entre vários segmentos da sociedade.

Esta destemida baiana, desprezando o medo, liderou as mulheres gaúchas na luta contra a ditadura que assolava o País, em busca do reino da liberdade, participando e liderando o movimento feminino pela anistia, integrando as forças vivas da sociedade.

Lícia sempre foi e continua sendo uma lutadora. Na sua obstinada ânsia de fim à violência, tem sempre um sonho, que é o alfa e o ômega de toda sua vida: um país onde esteja banida, para todo o sempre a corrupção, a discriminação contra mulheres, o extermínio das crianças e onde tremula, constantemente, a bandeira da liberdade e da democracia.

Lícia, na conquista deste sonho, não tem descanso: defende prostitutas contra o arbítrio policial, da eterna assistência à mulher presidiária, quer mais delegacias para a mulher e policiais femininas especializadas no trato de problemas femininos, além de albergues para mulheres vítimas de violência ou sob ameaça.

Passaram-se 135 anos daquele longínquo 1857 quando explodiu no mundo a luta pela igualdade da mulher. Passou mais de um século e, graças aos céus, existe uma Lícia, desperta, cheia de entusiasmo, pronta para a luta e disposta a tudo em defesa dos princípios que abraçou e que acredita serem metas de um mundo melhor e mais feliz.

Cidadão de Porto Alegre, Lícia Peres, baiana obstinada e corajosa, a Cidade que adotaste está, neste momento, neste modesta homenagem, te agradecendo por tudo quanto fizeste por ela e por sua gente.

E neste momento em que os Vereadores desta Casa, por onde passaram homens ilustres, como o inesquecível Glênio Peres, cabe lembrar que da mesma forma o povo desta Cidade recebe com afeto e apresenta seu reconhecimento ao médico Boris Nadvorny.

Ele, igualmente, luta pela transformação da realidade social e por uma melhor qualidade de vida para os seus semelhantes que compõe as diversas classes sociais de nossa sociedade.

É a você, prezado homenageado, que no desenvolvimento de sua atividade na área de psiquiatria salvou tantas vidas, ajudando centenas e centenas de dependentes químicos a se livrar do vício do uso das drogas. Que rendemos nosso apreço.

É a este renomado médico, incansável, pesquisador, empreendedor e grande lutador no combate às drogas que nos associamos através da defesa de Projeto de Lei pela prevenção do uso de drogas pela juventude. E acreditamos alcançar um tempo em que a reintegração do dependente químico ao convívio familiar, social e comunitário prevalecerá sobre a distribuição indiscriminada de drogas em nossa sociedade. "Quanto mais forte a prepotência dos poderosos tanto maior a luta."

Pelos serviços prestados à comunidade porto-alegrense na área de medicina, por seu espírito de amor e doação ao ser humano é que o povo de nossa Cidade, através de seus representantes, oferece a honraria máxima desta Casa: Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, como reconhecimento ao seu destacado trabalho em defesa da vida. Muito obrigada Lícia Peres! Muito obrigada Doutor Boris Nadvorny!

(Não revisto pelo oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Antes de passar a palavra ao próximo orador, gostaria de registrar a presença, nesta Sessão, dos Senhores Índio Vargas, ex-Vereador deste Legislativo; Francisca Briozola; Télia Negrão, representante da União Brasileira de Mulheres; Magali Barbieri, representante do Conselho Estadual de Mulheres; Teresinha Verbo, Presidente da União de Mulheres; Márcia Camargo, Coordenadora da Casa de Apoio Viva Maria; Lóris Groseti, Presidente da Associação de Diplomados do Rio Grande do Sul; Marília Guadi, Conselheira Geral do Clube de Mães; Danila Ortega, representante da Associação Porto-Alegrense de Cidadãos.

Com a palavra, o Ver. João Dib, que falará em nome da Bancada do PDS.

 

O SR. JOÃO DIB: (Menciona os componentes da Mesa.) A vida nos traça caminhos pelos quais nós nunca imaginaríamos passar. Hoje, nesta Tribuna, vejo duas pessoas, que eu acompanhei longa parte de suas vidas, sendo homenageadas, e homenageadas com justiça. Curiosamente, eu conheci os dois em circunstâncias mais ou menos idênticas. A Lícia, casava com o Glênio Peres, para delícia do Glênio, como dizíamos na Secretaria, e, a partir daí, acompanhei seus passos, vi crescer e fazer seu trabalho, se doando a esta Cidade, na solução dos seus problemas, e vi crescer  cada vez mais o prestígio da mulher na coletividade porto-alegrense. O Dr. Boris eu conheci casando com a Eva; e também acompanhei em razão até da própria Associação dos Funcionários Municipais e o magnífico trabalho que ele lá fazia com o Dr. Glei e o Dr. Vieira da Rocha. Então são duas pessoas que hoje, com muita justiça, a Cidade homenageia. Ninguém recebe uma homenagem só, algo deve ter acontecido. As pessoas que conviveram conosco, as pessoas também recebem um pouquinho dessa homenagem. Hoje os amigos estão também sendo homenageados, como também o Lorenzo está recebendo a sua homenagem, porque vê na mãe o respeito que a Cidade lhe tributa, o mesmo respeito que tributou a seu pai. Então, o Lorenzo fica muito satisfeito, muito feliz (Palmas.) com a sua mãe sendo homenageada, e ele terá como exemplo, mais uma vez que o que vale ó trabalho. Como é importante trabalhar, como é importante ser correto, como é importante ser responsável, como é importante ser digno, como é importante ser trabalhador, porque o Glênio trabalhou e a Lícia continua trabalhando muito, e trabalhou muito. O Dr. Boris tem aqui, por certo, o Nei e o Mauro, e também nos momentos mais difíceis deve ter encontrado o apoio dos filhos, dos amigos, e deve estar dividindo esta homenagem que a Cidade lhe tributa, e os seus filhos estão sabendo que é muito importante dar de si o melhor. Vivemos momentos extremamente difíceis neste mundo. O grande perigo da atualidade é o cansaço dos bons. Hoje a Câmara Municipal de Porto Alegre está dizendo que a Lícia, o Boris, são pessoas muito boas. Deles, a Câmara e, conseqüentemente, a Cidade de Porto Alegre esperam muito mais. Por favor, continuem sendo o que foram até agora. Não cansem. Sejam, como até agora, responsáveis, conscientes e continuem dando o melhor de si. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.) 

 

O SR. PRESIDENTE: Concedo a palavra ao Ver. João Motta, que falará em nome da Bancada do PT.

 

O SR. JOÃO MOTTA: (Menciona os componentes da Mesa.) Demais Srs. Vereadores, Senhores e Senhoras, companheiros e companheiras presentes. Talvez Fernando Collor de Mello tenha sido a personagem que mais reuniu em si mesma os signos do grande espetáculo de impostura que o Brasil insiste em apresentar ao mundo, faz muito tempo. Certamente foi vítima do seu próprio exagero.

No País da democracia política, racial, e sexual é preciso ser progressista, mas nem tanto. O destempero é capaz de levar a população para a rua, que, pintada, realiza o impeachment, mesmo que não se importe muito, ainda, com o simulacro da nossa democracia.

Diante disso é preciso ser radical. Como o empresário Ricardo Semler que, ao analisar o movimento pelo afastamento de  Fernando Collor, estava mais preocupado com as possíveis transformações na esfera dos valores da sociedade.

Radical aqui, nada tem a ver com os sonhos autoritários e mirabolantes da esquerda autoritária falida; muito menos com o resgate pré-histórico da direita totalitária. Radical sim, como forma de encarar a realidade, entendê-la complexa e, mesmo assim, ter a coragem de transformá-la.

A luta das mulheres deste país insere-se na revolução dos valores da sociedade que precisa pintar-se -num grande espetáculo- mas também precisa olhar para si mesma.

Radical; na luta das mulheres, tem vários nomes, embora Lícia Peres consiga sintetizar em si mesma todos eles, todos os tempos, todas as lutas. "Por isso, nesta Sessão, a Bancada do PT expressa este reconhecimento à Lícia Peres que, à frente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher, tem a coragem de encarar o problema do Planejamento Familiar, sob a ótica dos que a entendem como um combate à esterilização em massa das mulheres deste País; Lícia Peres que tem a coragem de enfrentar e desmascarar a hipocrisia da discussão do aborto e da violência contra as mulheres, entendendo o ser humano como sujeito decisivo de sua própria escolha; Lícia Peres que se situa entre os radicais que querem a democracia política, mas, também, a democracia dos valores, da aplicação das leis e das normas. Lícia Peres que sabe que a democracia é, em última análise, resgatar a cidadania dos homens e das mulheres deste País. Lícia Peres não uma impostura, mas a pura realidade de uma sociedade que sabe afirmar novos valores.

Por tudo isso, nós, do PT, temos orgulho de te chamar "Companheira Lícia Peres".

Nossa homenagem ao Dr. Boris Nadvorny. Muito obrigado. (Palmas.)

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE: Senhoras e Senhores, neste momento convido a Verª Letícia Arruda, como autora das proposições, para que em conjunto com o Prefeito Olívio Dutra, faça a entrega ao Dr. Boris Nadvorny, do Diploma de Cidadão Emérito de Porto Alegre; e à Senhora Lícia Peres do título e da medalha de Cidadã da Cidade de Porto Alegre. (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE: Passamos, agora, a palavra aos Homenageados. Por uma questão de respeito a condição da Lícia, e da solenidade, com a palavra a Cidadã de Porto Alegre, Lícia Peres.

 

A SRA. LÍCIA PERES: (Menciona os componentes da Mesa.) Companheiros e companheiras, entidades que, aqui, hoje, se fazem representar, movimentos de mulheres que estão aqui neste momento.

Eu não fiz o discurso, apenas coloquei alguns pontos que eu queria abordar nesta tarde de tanta gratidão, nesta tarde em que recebo com muita honra, por iniciativa da Verª Letícia Arruda e aprovação unânime dos Vereadores desta Casa, o Título de Cidadão Porto-alegrense , a Cidade que eu adotei e que hoje me adota.

Eu gostaria de falar um pouco da minha vivência em Porto Alegre, de dividir com vocês como foi esta experiência, que é uma experiência tão particular e que fez construir dentro de mim este sentimento tão profundo e tão verdadeiro que eu nutro pela nossa Cidade, pela Cidade de Porto Alegre.

Eu quero confessar a vocês que, na verdade, nunca pensei, em todos os meus tempos de criança e de adolescência, deixar Salvador. Salvador para mim era uma coisa, assim, tão definitiva, a minha família está em Salvador, mora na Bahia há muitos séculos, e eu tinha uma vida em Salvador extremamente despreocupada. Eu tive a sorte de nascer numa família que me proporcionou tudo: conforto, estabilidade emocional, afeto e até, eu diria, uma superproteção, porque eu sou a única filha mulher de uma família em que raramente nascem mulheres. Nascem, geralmente, mulheres, uma em cada geração. Eu sou filha única de dois irmãos mais velhos, o meu pai só teve uma única irmã, minha avó uma única filha, minha bisavó uma única filha, eu tenho cinco sobrinhos, não tem nenhuma mulher. Então, eu sendo a filha mais moça, vocês podem imaginar o que era em termos de carinho, de proteção e de afeto.

Então, nunca, realmente, fez parte dos meus planos deixar Salvador. Mas, eu vim para Porto Alegre como eu iria para o Casaquistão, por pura paixão. Eu conheci o Glênio e me apaixonei, eu iria para qualquer lugar, eu senti que aquele era o homem da minha vida. E, quando eu vim morar aqui, porque a Bahia naquele tempo, vocês podem imaginar, eu dizia que um dos homens mais importantes da minha vida era o carteiro. Aquele carteiro que tinha me visto crescer. Eu reclamava com ele: "Olha, não chegou carta?", eu era pequena, e ele me viu toda a vida, quando vinha carta, ele acenava da esquina. Eu namorei por carta, porque Porto Alegre era o lugar mais longe do mundo. Depois eu vou dizer a vocês porquê. Mas, havia ao mesmo tempo uma Revolução Cultural na Bahia no meu tempo, era Caetano Veloso, Gilberto Gil, Glauber Rocha com o cinema novo, então, a gente também de uma certa forma, apesar daquele círculo familiar memorável e protetor, tinha todo um esquema muito forte de Revolução Cultural que instigava a gente a pensar, a ousar. Eu acho que eu devo muito também essa maneira de pensar à essa Revolução Cultural que aconteceu na Bahia, na época em que eu morava lá. Então, eu queria dizer para vocês que Porto Alegre, era o lugar mais longe do mundo, porque para chegar aqui, a gente levava dois dias do Rio de Janeiro, tinha que esperar um avião que tivesse conexão para cá. O inverno, quando eu cheguei aqui, eu achava uma coisa assim, absolutamente terrível, e o que me ajudou muito, sempre, foi a paixão pela leitura. Eu sou uma pessoas que até hoje acho que quanto mais eu leio, mais aumenta o meu saldo negativo do que eu deveria ler. Então, a leitura me ajudou demais no primeiro inverno e a conta bancária do Glênio diminuía cada vez mais porque ele poupava para comprar passagem de avião, era o ir e vir da minha família para cá, de cá para lá, o dinheiro que a gente segurava era para viajar, por causa da questão da adaptação. Eu estranhava a comida. Eu chegava em casa e o gaúcho oferecia muito churrasco, e eu dizia: Meu Deus, não dá para cortar pedaços menores, fazer uma farofa de manteiga, fazer um molhozinho... E, hoje, eu estou tão adaptada à comida, ao churrasco gordo, que até esta adaptação, tão grande, é responsável por estes quilinhos extras, que a gente vai adquirido com o tempo, e os hábitos da cozinha gaúcha. Eu me lembro que da Rua da Praia, os costumes, eu estranhava demais, e as mulheres com aquele frio todo, não iam na Rua da Praia com calça comprida, se chamava eslaque. A gente tiritava, mas tinha que ir de saia, porque não era de bom tom usar calça comprida.

Eu achava incrível a questão da franqueza do gaúcho, porque a gente lá na Bahia, tinha uma coisa meio colonial, geralmente franca, com os amigos íntimos e a família, as pessoas largavam as coisas que pensavam de uma forma tão verdadeira, tão transparente, que eu estranhava muito. Tem até um episódio, e eu já estava bastante adaptada, o Glênio já tinha se elegido Prefeito, e nós fomos, num grupo, almoçar numa churrascaria depois da posse e, estava uma amiga baiana conosco, e na hora que o Glênio entrou disse: olha Glênio, parabéns. Desta vez eu não votei em você, mas a sogra aqui, a mulher... e a minha amiga, que é baiana e não tem a vivência do Rio Grande, dizia: Mas, meu Deus! Eu nunca vi dizer na cara que não votou! eu já tinha achado naturalíssimo.

Coloquei um pouco da minha vida para vocês, e sempre me perguntavam se eu tinha participado de concursos, e eu nunca tinha participado de concurso algum. Aquilo me embaraçava, achava que era meio porque o Diário Associados patrocinavam concursos. Eu não entendia muito bem a pergunta- se eu tinha sido eleita? 

Mas, o primeiro impacto que eu tive, realmente, aquele impacto, onde a gente vai se conhecer, foi em março de 65, eu casei em 26 de 64, 5 meses de casada, a minha família vindo para cá, para ver de que forma nós estávamos instalados, quando o Glênio foi preso. Foi uma coisa assim: a Polícia Federal estava na porta da Câmara, e de repente, ele pede à Polícia para ir até em Casa para me avisar, e ele me diz: “Lice estão me levando para um interrogatório, e a gente não sabia como era o interrogatório, e você tome as providências se eu não chegar em 3 ou 4 horas”, e aí, realmente, eu tomava iniciativas, quando era necessário, fui falar com o Cândido Norberto, fui para as televisões e fiquei na Praça da Matriz, onde a polícia o interrogava até as 2h da manhã, exigindo, com um grupo, que o libertassem. Então, foi o primeiro tratamento de choque que tomei em termos de experiência. Tinha 5 meses de casada. A grande escola política, minha, foi a universidade. Na universidade, quando entrei nós sentíamos na carne o que era a ditadura. Para se ter uma idéia, nós não tínhamos acesso ao livro, o instrumental básico para a formação de qualquer intelectual. Os nossos livros vinham clandestinamente do Uruguai. Eu li a ideologia alemã trazida por um colega de forma clandestina, como se o livro fosse algo vedado a quem precisava dele, justamente para fazer o seu instrumento de análise. Eu fiz Ciências Sociais. Nós víamos as dificuldades para que os professores pudessem dizer aquilo que pensavam. Eu lembro que tinha um professor, que sabendo que tinha um "dedo duro", que tinham pessoas que eram da polícia, ele fazia malabarismos verbais. Marx, para ele, era o ideólogo alemão, ele não dizia o nome; Classe Dominante era a minoria que esta no vértice da pirâmide social, e por aí ele ia, nós entendíamos como podíamos, mas, na verdade, eram malabarismos porque as coisas não podiam ser claras. E, aí, nós estudantes fomos para a rua com todos os ônus, com todos os riscos, nós enfrentamos a ditadura na rua, fazendo passeatas e manifestações, subindo em caixa de maçã, pregando e combatendo. Foi a minha escola política, foi realmente a universidade, as lutas estudantis. Depois, sempre digo, que aquele bar da Faculdade de Filosofia, era o bar Dom Juan da minha vida, lembrando Antônio Calado. Naquele bar, nós sonhamos em derrubar a ditadura, nós sonhamos com uma sociedade de iguais, uma sociedade nova, então aquele bar, aquele tempo que a gente passava ali naquele bar planejando que faríamos, realmente foi um período de muita riqueza, de muita experiência, onde eu muito aprendi. Depois, houve a formação do Movimento Feminino pela Anistia, e o início do Movimento Feminino pela Anistia, muito importante resgatar essa experiência, uma experiência tão rica na história brasileira, começou quando Dilma Linhares saiu da prisão onde ela tinha estado com Terezinha Zerbini, veio ao Rio Grande do Sul e me procurou, trazendo uns papéis. Terezinha Zerbini delegou a ela essa missão de procurara alguém que organizasse o Movimento Feminino pela Anistia. Logo que a Dilma me procurou e eu aceitei essa tarefa, eu me lembrei que a companheira Mila Cauduro, a quem eu tinha conhecido em 1974, na campanha eleitoral, tinha, em sua campanha para Deputada Estadual, pregado a anistia.

Eu assisti a Mila dizer em sua campanha: "Nós temos que ir a Jaguarão e atravessar aquela ponte para buscar Leonel Brizola." E aquilo me impressionou muitíssimo. Então, naquele momento, eu telefonei para Mila, para a companheira Quita Brizola Rota, e, na casa da Mila, a companheira Lígia de Azeredo constituiu um grupo, um núcleo  da Anistia. Nossas primeiras reuniões foram na Associação Riograndense de Imprensa e resolvemos coletar assinaturas em toda a Cidade. Então, nós passávamos a lista e explicávamos o que era Anistia, a importância de um país não colocar seus líderes no exílio e de um clima de liberdade e democracia.

E hoje eu entendo porque os livros eram tão perigosos. O Göebel já dizia: "Cada vez que eu ouço falar em cultura, eu tenho vontade sacar minha pistola." Porque os livros significam a universalidade do pensamento. O livro é sempre o contraditório. A gente se supera, a gente aprende e cresce na leitura. Então os livros eram temíveis como o são em todas as ditaduras.

Então ei fui eleita a primeira presidente pelo Movimento da Anistia no Rio Grande do Sul. Fiquei um ano e meio na presidência e depois passei para a vice-presidência -o Gênio era candidato- e a Mila passa para a presidência e fica até ser assinada a Anistia.

Fazendo justiça, nós tivemos apoios extremamente valiosos. O apoio do Glênio foi fundamental. Ele era um líder do MDB na Câmara e conseguiu o Plenário da Câmara para instalar o Movimento de Anistia. Veio a Terezinha Zerbini aqui, o Plenário lotado, o IEP datilografou os convites, nós enchemos aquele Plenário e instalamos o Movimento Feminino pela Anistia no Rio Grande do Sul, oficialmente.

A Terezinha Zerbini sempre diz: "Nós não teríamos a abrangência do movimento se o RS não tivesse respondido imediatamente àquele apelo.

Gostaria de resgatar alguns apoios muito importantes. O Glênio foi cassado no 5º mandato, denunciando as torturas, os companheiros que estavam nas prisões. Foi cassado e depois retomou o mandato.

Nós também tivemos o apoio de um funcionário da Assembléia, Tapir Rocha, e de sua família. Um apoio que foi de uma ousadia tremenda. Ele e sua filha era um grupo extremamente ousados que foram de primeira linha. O companheiro Carlos Augusto de Souza era Deputado e Vice-Líder do MDB, e o gabinete dele era uma base do movimento de Anistia. O José Carlos Oliveira, o Zézinho, falecido recentemente, foi uma força enorme, trabalhava com o Porfírio Peixoto, nós tomávamos conta daquele gabinete. O Companheiro Rubem Almeida Costa, com sua esposa Lígia, foi também um enorme auxílio. E fora do próprio movimento nós encontrávamos companheiros combativos, a Jussara Cony e tantas outras lideranças que se somavam a nós nessa luta, que era uma luta pela libertação do povo brasileiro. Inestimável era o apoio da juventude que somou conosco em todos os movimentos de rua. Era o Marcos, o grupo do Raul, um grupo muito grande com coragem e idealismo. E a juventude realmente fechou com o movimento de anistia logo. Tivemos alguns momentos que eu gostaria de rememorar: a campanha dos três Flávios. A Campanha da Flávia Schillin, do Flávio Koutzii e do Flávio Tavares. Então nós fizemos campanha de rua, levantando a questão da necessidade de trazer de volta os nossos companheiros que estavam nas prisões no exterior. Nós tivemos também nas viagens para o interior, nas viagens fora do Brasil, um grande apoio. Em Santa Maria nós tivemos um grande apoio do casal Adelmo e Eli Genro, pais do Tarso Genro. Seu pai organizou, na Sessão da OAB em Santa Maria, um encontro. Convocou a cidade. Eu fui para lá. Falamos em Santa Maria e, no dia seguinte, estava na "Razão", de Santa Maria, na primeira página, questão da luta pela anistia. Depois nós estivemos, no dia seguinte, agradecendo o apoio no interior do Estado. Quer dizer, nessa situação difícil, alguns episódios ficaram, hoje, na história da luta da resistência democrática. A missa do 30º Dia de João Goulart, quando, na escadaria da Catedral, nós estávamos juntas e a Mila grita: "Anistia!" se desencadeou o maior processo de repressão que eu já vi, 300 brigadianos espancando a população, empurrando a população para dentro da igreja e foi um movimento e a gente resistindo. No Jornal do Brasil, no dia seguinte, estava, em manchete: "A polícia contra o povo desarmado." Mas as mulheres lançaram o grito da anistia e resistiram, na medida em que era possível. Nós fizemos o que tinha de ser feito naquela hora. Isso é extremamente importante. No enterro do João Goulart, a faixa "Anistia", que o Glênio tinha oferecido ao Movimento, foi colocada no esquife e muitos exilados que viram aquela foto disseram que começaram a acreditar que voltariam ao Brasil quando eles viram nos jornais, de todo o mundo, em cima do esquife do João a palavra "Anistia". Eu aprendi muito, meus amigos, minhas amigas! Eu aprendi muito durante esses anos em todas essas lutas. Eu aprendi com muitos exemplos a que assisti. Um exemplo, o da Ene Basques, que está aqui, que no momento em que ela assina aquela lista da Anistia. Ela viúva, com 7 filhos, é chamada pelo Diretor da escola em que lecionava e quando comenta que tinha um movimento e que ela tinha assinado, o diretor chama-a e diz: "Ou você retira a sua assinatura ou é despedida". Eu e a Dilma estivemos na casa dela e dissemos: Ene, você tem, sete filhos, é uma professora, precisa do emprego; se você quiser a gente retoma essa lista. E ela disse: "Não eu vou a ele e vou dizer que mantenho a minha assinatura." Ela manteve a assinatura e perdeu o emprego. (Palmas.)

Outro exemplo, o translado do corpo do Sargento Raimundo Soares, do caso das "Mãos amarradas" que para mim foi uma coisa! Um dia esta história terá que ser escrita, mas a gente também aprende a silenciar. Quando veio Elizabeth Soares, a viúva do sargento Raimundo Soares, do caso da "Mãos amarradas", ela ficou hospedada na minha casa. Ela estava tremendamente traumatizada. À última vez que ela tinha estado em Porto Alegre, ficara 14 horas sob interrogatório. Ela foi para o Rio de Janeiro, absolutamente apavorada com as circunstâncias da morte de Raimundo Soares. E ela, depois, me relatou isso. Foi uma coisa muito interessante. Naquele dia, depois do enterro, ela disse: "Lícia, eu precisava de uma coisa, quando eu deixei, treze anos atrás, o Rio Grande do Sul, eu tinha umas cartas em meu poder." Eram as cartas que o Raimundo tinha conseguido passar para ela, da prisão, citando nomes, com medo de ser morto. E, naquele momento, eu estava tão apavorada que uma pessoas da área da Justiça disse a ela: "Elizabeth, me entregue as cartas, e no dia em que você voltar, só para você eu devolvo." E ela foi embora para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou ao Rio Grande. Quando eles entraram em contato com a Anistia, nós prometemos que daríamos proteção a ela. E nos comprometemos a dar. Ela ficou na minha casa, hospedada, e me disse que tinha uma vaga idéia de onde era a casa. Saímos de carro, perambulando pela Cidade. E, de repente, ela acha a casa. E disse que era ali que ele morava.

Salta e eu fico no carro, e ela volta com as cartas na mão. Esse homem guardou. Para vocês terem uma idéia, a casa dela foi 5 vezes arrombada no Rio de Janeiro, com as portas colocadas abaixo, tentando encontrar um indício de que ele teria se comunicado. E no momento em que ela entra, esse homem diz a ela: "A promessa está cumprida, as cartas estão aqui." Foi o que deu início ao processo que hoje ela tenta, sobre a responsabilidade do assassinato do caso Raimundo Soares. Um outro episódio, extremamente importante, foi o seqüestro da Revista do Henfil aqui. Quando esteve aqui a Ruth Escobar, eu mandei um bilhete a ela pedindo que ela anunciasse que iria ter um evento da Anistia, que iria haver um encontro. O diretor do teatro disse que ela não falaria no teatro e ela responde: "Do palco para dentro, eu faço o que quero", pára o espetáculo e anuncia que haveria um encontro da Anistia. No dia seguinte, a revista é seqüestrada, os integrantes são submetidos aos maiores vexames. Nós fomos, de madrugada, para a Polícia Federal, e ali a gente presenciou o que é o desrespeito e a violência. E, depois de muitas discussões, eles foram libertados. Nós vimos o que é a combatividade. E, a partir disso aí, depois, em 78, é fundado o CBA. Nós estávamos militando desde 75, e aí o movimento cresce, se amplia, toma grande força. E nós fomos a Brasília negociar a anistia com Teotônio Villela, levando a mulher do Fernando Santa Cruz, Ana Santa Cruz, pois não aceitávamos que não houvesse investigação. Foi uma negociação dura. Eles chamavam nossos companheiros, que pegaram em armas contra a ditadura, de terroristas. E a gente fincou pé em Brasília, e não aceitávamos uma anistia que não fosse ampla, geral e irrestrita. Mas, a partir daí, esta luta, esta bandeira, já tinha tomado conta das consciências brasileiras. Com a ajuda do Henfil, com a ajuda de tantos intelectuais que incorporaram o desejo e a necessidade de ver a pátria sob a bandeira da liberdade.

Conheci muitas pessoas que me marcaram, naquela Comissão de Mortos e Desaparecidos. E tenho a imaginação muito viva, pois quando as pessoas me falam, incorporo e é como se estivesse vendo. Conheci mulheres de exemplo extraordinário: a Maria Augusta Capistriano da Costa, viúva do desaparecido Capistriano da Costa. Aquela mulher completamente destruída pela inquietação, pelo desespero, mas com uma firmeza extraordinária. Conheci a Maria da Conceição Coelho da Paz, que tinha sido torturada pelo Fleury, pessoalmente, com todos seus ossos das mãos quebrados e dentes arrebentados, ela era mãe do Nélson Coelho da Paz, que estava no exílio por 99 anos de prisão; uma mulher valente. Foi ela quem me fez conhecer a Susana Lisboa, que hoje continua no rastro, pois conseguiu encontrar o corpo do José Eurico, mas não desiste de saber mais sobre a morte dele. A Susana, companheira querida e que respeito tanto, que sofreu tanto, tanto luto, tanta dor.

Em 1976 o Ver. Omar Ferri, desta Casa, teve um papel importante no seqüestro de Lilian e Universindo. Em 76, o marco em minha vida foi a ida ao exílio encontrar Leonel Brizola. Fui com o Glênio, que intermediou com o Seu Guaragna. Quando saímos de lá, de um longo encontro com Brizola, fiz minha opção pelo trabalhismo. Realmente fiquei empolgada com a visão que ele tem dos problemas do Brasil, com a visão internacional que ele possui da conjuntura internacional e o profundo amor que Leonel Brizola dedica a este País. Naquele momento pensei: no momento em que vier a anistia, com certeza, vamos assumir o partido que Brizola liderar.

O último ato que fizemos, em 79, a última homenagem a tudo isso foi a "Chamada aos mortos e desaparecidos", cujo ato era "traga um flor aos mortos e desaparecidos", chamando um a um, no Largo da Prefeitura. O Prefeito e as pessoas depositavam no chão o seu tributo, enquanto chamávamos um a um o nome dos mortos desaparecidos, citando as circunstâncias em que eles tinham desaparecido e morrido nas prisões.

Então, a partir desta opção pelo trabalhismo, hoje sou membro da Direção Nacional do PDT, da Direção Estadual e uma das fundadoras da Ação da Mulher Trabalhista do PDT. Falando sobre a questão da mulher, essa foi uma questão que sempre me arrebatou. Estão aqui as companheiras do movimento de mulheres, do conselho. Sempre percebi que dentro da diferença havia diferenças. Dentro das diferenças de uma sociedade hierarquizada havia ainda diferenças mais profundas, que havia discriminações, que havia violência, que havia desigualdades que se abatiam mais sobre o segmento feminino. E hoje, quando a gente olha a própria Cidade de Porto Alegre- eu estou falando na Câmara- a gente vê que uma Cidade não é igualmente apropriada por todos, que há lugares em que, praticamente, as mulheres não podem ir sem seres humilhadas, molestadas ou importunadas. Nós vemos como é difícil conseguir mudar os costumes, conseguir trabalhar analisando o mundo do trabalho. Por isso é que na medida em que assumimos o Conselho, nós fizemos uma denúncia ao Ministério Público, contra todo tipo de proibição ao trabalho feminino, por critérios de sexo, idade, cor ou estado civil. Nós denunciamos a violência contra todas as mulheres; nós pregamos e procuramos trabalhar políticas públicas; apresentamos um plano ao Secretário Júlio Ochsmann, não mais naquela visão materno-infantil, mas a mulher em toda a sua abrangência, em todas as fases da sua vida. E hoje nós estamos pregando a necessidade de Conselhos Municipais dos Direitos da Mulher, para que ela realmente participe das políticas públicas e seja considerada nas necessidades, naquilo que é mais importante: a creche, o direito ao trabalho, o direito ao respeito. Então nós temos procurado, dentro do Conselho, fazer um trabalho sem ver se um projeto é de um vereador ou de um partido, porque um conselho é um conselho plural, que reflete a pluralidade da sociedade. Temos procurado fazer este trabalho isento, para ver o que faz avanças em termos da política da cidadania feminina. Ali, o Conselho está, ali, o Conselho coloca os seus esforços. E as nossas companheiras, a Teresinha, recebendo aquelas mulheres, tantas companheiras aqui do Conselho, a Vera, a Délia, a Magali, tantas companheiras que partilham, que me ajudam e com quem eu aprendo a cada dia. Eu queria colocar para vocês, também, a minha relação com a Câmara de Vereadores. A minha relação, companheiro Dilamar Machado, com a Câmara, é uma relação que já vai para 28 anos. A Câmara foi, aqui nesta Cidade porque a Câmara não era neste local, era perto da Prefeitura velha- local onde Glênio exerceu seu amor pela Cidade. Durante 20 anos ele se preocupava, ele tinha uma visão e ele sofria, porque via a Cidade se deteriorando em função de um modelo nacional que excluía grades segmentos da população. Quando eu vim morar aqui, o Glênio me dizia: "Lícia, o churrasquinho do domingo é uma tradição da Vilas, todos lugar faz o seu churrasquinho. E a gente via o empobrecimento, a degradação das vilas, aquelas pessoas que não têm esperança, que não têm emprego, que vão para de baixo do viaduto. E vimos o que um sistema concentrador de capital, um sistema excludente faz para as cidades brasileiras. Porto Alegre sofre esses reflexos duma política nacional.

Acompanhei Glênio nas vilas. Eu via, dia-a-dia, isto. Depois, quando eu fui da direção cultural da FRACAB, eu constatava as dificuldades da nossa gente e a luta por uma vida mais digna.

Eu queria colocar para vocês que a Câmara também teve momentos que eu considero momentos definitivos em minha vida. Quando, depois da anistia, o Glênio e o Marcos tomaram posse, na ocasião era o Ver. Cleom Guatimozim quem presidia a Câmara e deu a posse, com todas as ameaças da Polícia Federal, que depois cercou o prédio. Eles decidiram e nós fomos juntas, Mila, todo o grupo. Em quatro minutos que durou a Sessão eles foram empossados. O Petrônio Portella no telefone dizendo que se eles fossem empossados haveria intervenção do exercício. E a Câmara de Porto Alegre foi exemplar. A Câmara de Porto Alegre se colocou ao lado do povo, ao lado da justiça, ao lado da verdade. (Palmas.)

É por isto que eu respeito profundamente o trabalho dos Vereadores. Acho que é um trabalho extraordinário o trabalho que eles fazem, lutando pela Cidade, tentando fazer com que esta Cidade se torne melhor e as dificuldades que se tem, a partir deste modelo, que é um modelo nacional e que exclui mesmo e que marginaliza segmentos imensos da população. Vamos ter agora uma promoção conjunta da Câmara e do Conselho da Mulher, quando, nos próximos dias, será o lançamento do Guia da Mulher Contra a Violência.

E, para finalizar, não poderia deixar de dizer duas coisas: o quanto o Glênio foi importante na minha vida para que eu me tornasse o que sou. O Glênio era uma pessoa que acreditava que o companheiro não pode ser pedra no caminho da companheira, lembrando Drumond. O Glênio achava que o companheiro deveria ser estímulo, braço e abraço para que aquela companheira pudesse crescer. E eu cresci muito, mas muito mesmo, na companhia dele.

Em relação a Porto Alegre, nesta Cidade com o pôr do sol mais bonito do mundo, que tem no seu coração, hoje, Prefeito, o Largo Glênio Peres, nesta Cidade, eu me reconstituí como pessoa, em me conheci e me reconheci aqui, eu me constituí como cidadã. E eu devo muito a esta Cidade onde nasceu o meu filho Lorenzo, para grande orgulho meu Lorenzo é porto-alegrense, nasceu aqui em 1985. E nesta Cidade eu presenciei um milagre que eu não posso deixar de referir a vocês. O milagre da reconstrução do Teatro São Pedro. Eu digo que é um milagre porque eu vi o Teatro São Pedro nos escombros, eu vi o Teatro destruído, e não vou dizer que esse milagre foi feito por uma fada, porque geralmente as fadas fazem coisas com muita facilidade, e a Eva Sopher levou 10 anos para devolver não só para o Rio Grande do Sul, como para o País este patrimônio cultural inestimável que é o Teatro São Pedro. Então, eu vi milagres, e um dos milagres que eu assisti é o reerguimento do Teatro São Pedro.

Eu terminaria dizendo o seguinte, lembrando o Poeta Carlos Nejar quando ele fez considerações sobre a falência, ele diz em todo tempo num poema chamado "Considerações sobre a Falência": "Falir é previsto, o imprevisto é o sorriso", e Carlos Nejar durante todo o poema ele diz "Quem não faliu? No pecúlio ou na bolsa de valores? Quem não faliu no amigo, no inimigo? Mas falir é previsto, o imprevisto é o sorriso". Eu posso dizer a vocês que durante todas as falências que todos nós temos, todas vez que a vida nos apronta, nos apanha e nos vulnerabiliza, toda vez que a gente se fragiliza ao longo da vida eu nem por um minuto me senti só. Durante todo o tempo eu tive a solidariedade dos meus amigos daqui do Rio Grande do Sul. Se o gaúcho não se derrama em agrados, o gaúcho é extremamente firme e sincero nas suas amizades. Em todos os momentos onde a vida endureceu os sorrisos certos da Mila e do Raul, da Dilma e do Carlos, a Família Menna Barreto, da Maria Flor, nossa querida Maria Flor, da Enide, da Evelyn, do Ivan, dos amigos que estão aqui, agora o Gastal foi homenageado na Feira do Livro, a Diná, o Goida, e tantas pessoas que estão aqui hoje presentes, que seria exaustivo nomear. Mas que em todos os momentos, todos foram sorrisos certos. Todos foram pessoas que estiveram ao nosso lado e eu posso dizer para vocês que, olhando para trás, eu começaria tudo outra vez, como diz Gonzaguinha "se preciso fosse". Essa luta eu começaria de novo, para que se faça aquilo que é necessário. E agradeço assim, de coração, ao companheiro Dilamar Machado, à Câmara de Vereadores, agradeço a todos os Vereadores. Um agradecimento especial e o meu abraço à Vereadora Letícia Arruda. E podem crer que daqui para frente vai ser com muito orgulho e alegria, que a todos que me perguntarem, de onde venho, eu vou afirmar, com muita honra: sou porto-alegrense! Muito obrigada.

(Não revisto pelo oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE: Senhoras e Senhores, temos a honra de passar a palavra, neste momento, a outro homenageado desta Sessão Solene, Ilustre Médico Boris Nadvorny, Cidadão Emérito de Porto Alegre.

 

O SR. BORIS NADVORNY: (Menciona os componentes da Mesa.) Famílias aqui presentes e amigos. À um técnico acostumado a lidar com as emoções alheias, cabe neste momento lidar com suas próprias emoções, ainda ligadas à surpresa, quando fui informado que por Projeto de Resolução da Vereadora Letícia Arruda, os nobres Vereadores de nossa Comunidade haviam me concedido o título Honorífico de Cidadão Emérito da Cidade da minha querida Porto Alegre, Cidade onde nasci e até hoje tenho vivido.

Ainda não bem refeito da surpresa, procurei fazer o retrospecto da minha vida, para encontrar a justificativa do honroso título. Filho de pais imigrantes, gente humilde, trabalhadora, apesar de analfabetos, souberam transmitir aos filhos a crença no trabalho, no estudo, no valor da honestidade, no espírito de colaboração de um para com os outros e, acima de tudo, no valor da dignidade. Comecei a trabalhar quando ainda criança em tinturaria, armazém e em loja como balconista. No ano de 1954 servi como soldado no segundo Regimento de Cavalaria Mecanizada. Devido a dificuldades de várias ordens, só consegui concluir minha alfabetização após adulto, o Curso de Medicina aos 42 anos de idade e o de Pós-Graduação em Psiquiatria aos 45 anos.

No transcorrer da Cadeira de Psiquiatria, efetuada no Hospital Psiquiátrico São Pedro, no meio a inúmeros pacientes com perturbação mental, chamou-me a atenção o problema dos alcoolistas. Eram pacientes que baixavam em péssimo estado físico e mental e em lamentáveis condições de higiene. Quando já se encontravam melhor, ficavam lúcidos e espontaneamente contavam os horrores pelos quais tinham passado. Reconheciam que todos o seu mal residia na ingestão de etílicos e garantiam que nunca mais iriam tomar bebidas alcoólicas. Porém, após a alta, em pouco tempo recaíam e voltavam nas mesmas precárias condições, reiniciando no ciclo.

Daí nasceu me interesse por pacientes que apresentavam dependências, tais como: álcool, drogas e tabagismo. Assisti e participei com trabalhos em diversos Congressos Nacionais e Internacionais que versavam sobre o tema das dependências. Visitei pessoalmente vários serviços que tratavam estas dependências, na América do Sul, Central e do Norte, Canadá, Europa e Israel, sempre em busca de maiores conhecimentos que pudessem me ajudar a entender e tratar melhor as vítimas destas enfermidades. Ainda durante o meu Curso de Pós-Graduação em Psiquiatria, já trabalhando junto à AFM (Associação dos Funcionários Municipais), por sugestão minha, foi criada a Comunidade Terapêutica da AFM, para dar atendimento aos pacientes psiquiátricos funcionários municipais e a seus dependentes.

Logo após minha formatura, eu e mais seis colegas, fundamos o "PAP", Plantão de Atendimento Psiquiátrico, primeiro pronto socorro psiquiátrico a funcionar em Porto Alegre.

Em 1972 colaborei na fundação do 1º Grupo de Alcoólicos Anônimos da nossa Cidade, o qual funcionou nos seus seis meses iniciais na sede da AFM. No ano seguinte, em 1973, eu junto a um pequeno grupo de alcoolistas recuperados, oriundos da Comunidade Terapêutica da AFM, fundamos a ABCAL (Associação Brasileira de Combate ao Alcoolismo), entidade sem fins lucrativos, criada com o objetivo de dar tratamento a pacientes alcoolistas sem recursos econômicos. Com as mesmas características desta entidade, fundei em 1976 a ABEF (Associação Brasileira de Estudos das Farmacodependências), para dar atendimento gratuito a dependentes de drogas. Em 1977 fundamos a Clínica Jellinek, que se dedica somente ao tratamento de casos difíceis de dependências, principalmente de drogas, razão pela qual recebemos pacientes de todo o Brasil e inclusive da Argentina e Uruguai.

Sabe-se que ajudar dependentes sempre representou um desafio, porém, tratar de dependentes que não querem se tratar, que são agressivos, indisciplinados e que apresentam constante risco de fuga, o desafio torna-se muito maior. Principalmente com drogados aumentam as dificuldades, devido às novas drogas que surgem, as novas modalidades de tráfico dos que com elas comerciam, os riscos permanentes de óbitos por superdose, acidentes, suicídios, homicídios e, mais recentemente, seu grande aliado, a AIDS.

Após estes 15 anos de funcionamento, entendemos que chegou o momento de transmitirmos aos mais jovens nossa experiência e no ano passado começou a funcionar na nossa Clínica o Curso de Pós-Graduação em Psiquiatria para médicos e psicólogos, com ênfase no estudo das dependências, que acredito ser o primeiro e até agora o único, com essas características, no nosso País.

Este ano na Rua Cabral passou a funcionar o Centro Integrado de Psicoterapia, onde os pacientes, principalmente crianças enviadas por escolas públicas, recebem tratamento, mas com a característica do pagamento ser de acordo com a rena familiar.

Gostaria de concluir afirmando que se algum mérito me cabe, foi de saber me espelhar nas boas qualidades de meus pais, professores, patrões, funcionários e, atualmente, meus alunos e, se alguma qualidade eu tive, foi a de saber me rodear de pessoas de valor, junto com as quais trabalhamos e continuaremos trabalhando com o objetivo de dar a parcela de colaboração que nos cabe, para melhorar as condições de vida dos nossos pacientes e seus familiares e, conseqüentemente, da nossa Comunidade em geral.

Não posso deixar de reconhecer, que não foram raros os momentos difíceis na minha vida, mas também não posso deixar de reconhecer que a recuperação de milhares de pacientes, a experiência adquirida, a qual melhorou as expectativas de melhores resultados nos próximos pacientes, uma homenagem como esta, fazem-me sentir amplamente gratificado.

 

O SR. PRESIDENTE: Convidamos o Nobre Ver. João Motta, Líder da Bancada do PT, para prestar homenagem especial a nossa querida Cidadã Lícia Peres.

 

(A homenagem é prestada.)

 

O SR. PRESIDENTE: Antes de encerrarmos a Sessão gostaria, em nome da Ver. Letícia Arruda e de todos os Vereadores desta Casa, de agradecer a presença honrosa de todos os amigos aqui presentes e destacar a presença honrosa do nosso Secretário Estadual da Fazenda, Orion Cabral.

E gostaria de dizer que foi efetivamente uma Sessão muito importante para nós Vereadores. E para quem não conhece bem a sistemática dos Títulos de cidadãos eu explicarei a diferença entre o Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre e o Título de Cidadão Emérito. O Título de Cidadão de Porto Alegre é oferecido a pessoas que prestou relevantes serviços a Porto Alegre e sendo que esta pessoa não é de Porto Alegre. E o Título de Cidadão Emérito é para aquela pessoas que, mesmo sendo de Porto Alegre, prestou relevantes serviços a Porto Alegre. Mas, ambos, a partir de hoje, são porto-alegrenses, e eu só posso dizer que a Cidade se engrandece, e o faço em nome do Prefeito Olívio Dutra e dos Vereadores. A Cidade de Porto Alegre a partir de hoje é mais rica pela cidadania da Lícia e pela cidadania Emérita do Boris.

Para encerrar, eu quero que não me interpretem mal, não é uma questão ideológica nem política, para cumprimentar os nossos homenageados, tanto amigos e familiares do Boris e da Lícia entrem pela direita e saiam pela esquerda.

 

(Levanta-se a Sessão às 18h46min.)

 

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