ATA DA QÜINQUAGÉSIMA PRIMEIRA SESSÃO SOLENE DA QUARTA SESSÃO
LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA LEGISLATURA, EM 24.11.1992.
Aos vinte e quatro dias do mês de novembro do ano de mil
novecentos e noventa e dois reuniu-se, na Sala de Sessões do Palácio Aloísio
Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre, em sua Qüinquagésima Primeira Sessão
Solene da Quarta Sessão Legislativa Ordinária da Décima Legislatura, destinada
à entrega do Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Senhora Lícia
Margarida Macedo de Aguiar Peres, concedido através do Projeto de Lei do
Legislativo nº 66/92 (Processo nº 929/92), e do Título Honorífico de Cidadão
Emérito ao Doutor Boris Nadvorny, concedido através do Projeto de Resolução nº
22/92 (Processo nº 1160/92), ambas as proposições de autoria da Vereadora
Letícia Arruda. Às dezessete horas e trinta minutos, constatada a existência de
"quorum", o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos e
convidou os Líderes de Bancada a conduzirem ao Plenário as autoridades e personalidades
presentes. Compuseram a Mesa: Vereador Dilamar Machado, Presidente da Câmara
Municipal de Porto Alegre; Senhor Olívio Dutra, Prefeito Municipal de Porto
Alegre; Doutor Júlio Roberto Hocsman, Secretário Estadual da Saúde e do Meio
Ambiente; Doutora Mila Cauduro, Secretária Estadual da Cultura; Senhora Lícia
Margarida Macedo de Aguiar Peres, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos
da Mulher e Homenageada; Doutor Boris Nadvorny, homenageado; Senhora Zulma de
Almeida, esposa do Homenageado; e Vereadora Letícia Arruda, Secretária "ad
hoc". Em prosseguimento, o Senhor Presidente pronunciou-se acerca da
solenidade e concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. A
Vereadora Letícia Arruda, proponente e em nome das Bancadas do PDT, PMDB, PTB e
PPS, discorreu acerca da importância do trabalho dos Homenageados em prol do
desenvolvimento de Porto Alegre, declarou terem Suas Excelências sempre lutado
na busca de uma sociedade mais justa, onde homens e mulheres preencham
igualmente os mesmos espaços, sem preconceitos e bitolamentos de qualquer
espécie. O Vereador João Dib, em nome da Bancada do PDS, salientou a justeza da
homenagem hoje prestada pela Casa, analisando o significado dos títulos
entregues, como exemplo de valorização de um trabalho responsável, consciente e
positivo a favor da comunidade. E o Vereador João Motta, em nome da Bancada do
PT, congratulou-se com os Homenageados, destacando a coragem com que a Senhora
Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres sabe distinguir e enfrentar os problemas
da mulher brasileira e dizendo estar a luta das mulheres inserida na luta pela
transformação da nossa sociedade. Na ocasião, o Senhor Presidente registrou a
presença, no Plenário, dos Senhores Índio Vargas, ex-Vereador deste
Legislativo; Francisca Brizola; Télia Negrão, representante da União Brasileira
de Mulheres; Magali Barbieri, representante do Conselho Estadual de Mulheres;
Teresinha Verbo, Presidente da União de Mulheres; Márcia Camargo, Coordenadora
da Casa de Apoio Viva Maria; Lóris Groseti, Presidente da Associação de
Diplomados do Rio Grande do Sul; Marília Guadi, Conselheira Geral do Clube de
Mães; Danila Ortega, representante da Associação Porto-Alegrense de Cidadãos. A
seguir, o Senhor Presidente convidou os presentes a, de pé, assistirem à entrega,
pela Vereadora Letícia Arruda e pelo Prefeito Olívio Dutra, da Medalha relativa
ao Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre à Senhora Lícia Margarida Macedo
de Aguiar Peres e do Diploma relativo ao Título Honorífico de Cidadão Emérito
ao Senhor Boris Nadvorny. Em prosseguimento, o Senhor Presidente concedeu a
palavra aos Homenageados, que agradeceram os títulos recebidos, falando de suas
vivências em Porto Alegre e de suas atuações na busca de uma sociedade mais
justa e igualitária. Após, o Senhor Presidente convidou o Vereador João Motta a
prestar especial à Senhora Lícia Margarida Macedo de Aguiar Peres, agradeceu a
presença de todos e, nada mais havendo a tratar, declarou encerrados os
trabalhos às dezoito horas e quarenta e seis minutos, convocando os Senhores
Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos
foram presididos pelo Vereador Dilamar Machado e secretariados pela Vereadora
Letícia Arruda, Secretária "ad hoc". Do que eu, Letícia Arruda,
Secretária "ad hoc", determinei fosse lavrada a presente Ata que,
após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores Presidente
e 1º Secretário.
O
SR. PRESIDENTE: Convido os presentes para que, de pé,
ouçamos o Hino Nacional.
(É executado o Hino.)
O
SR. PRESIDENTE: Concedo a palavra à Verª Letícia Arruda,
autora das proposições, que falará em nome das Bancadas do PDT, PMDB, PTB e
PPS.
A
SRA. LETÍCIA ARRUDA: (Menciona os componentes da Mesa.) Amigos
dos nossos homenageados, companheiros de luta; minha querida Cotinha e
companheiros desta Casa.
Homenageamos nesta tarde duas
personalidade distintas: um Homem e uma Mulher que acima de tudo se preocupam
com seus semelhantes. Amar as pessoas! Amar o povo de Porto Alegre! Ajudar
indivíduos e grupos sociais em seu crescimento, independente da expectativa de
receber alguma coisa em troca! Tudo para o desenvolvimento de uma sociedade
mais justa onde o homem e a mulher tenham uma qualidade de vida melhor.
Estas são as características dos nossos
homenageados: Lícia Peres, socióloga, e Bóris Nadvorny, médico. Ambos lutaram e
prestaram seu apoio ao engrandecimento do ser humano, dos grupos sociais, dos
povos.
"As idéias nada podem realizar. Para
realizar as idéias são necessários homens que ponham a funcionar uma força
prática" já dizia Marx.
Lutar pela transformação da realidade
social, pela justa distribuição de renda para todos, onde não haja exploradores
e explorados, preconceitos de espécie alguma, onde homens e mulheres busquem
igualmente os mesmos espaços.
Lutar pelo crescimento do indivíduo, pelo
desenvolvimento de um povo é a essência dos nossos homenageados. E lutaram com
uma paixão, uma tenacidade e um êxito como poucos.
De um lado Lícia Peres, nascida na Bahia,
que, ao radicar-se em Porto Alegre, adotou nossa Cidade com sua e desencadeou
uma luta pela efetivação de políticas públicas, de igualdade entre as pessoas
de todas as classes sociais. Viúva do companheiro Glênio Peres, Lícia sempre
compartilhou do mesmo anseio na marcha da contribuição pelo desenvolvimento da
história humana. E a história de toda a sociedade até hoje tem sido a história
das lutas de classe!
Lícia sempre esteve à frente de
movimentos em defesa dos direitos de todos os cidadãos, pela sua atividade
orientada em busca da convivência fraterna entre vários segmentos da sociedade.
Esta destemida baiana, desprezando o
medo, liderou as mulheres gaúchas na luta contra a ditadura que assolava o
País, em busca do reino da liberdade, participando e liderando o movimento
feminino pela anistia, integrando as forças vivas da sociedade.
Lícia sempre foi e continua sendo uma
lutadora. Na sua obstinada ânsia de fim à violência, tem sempre um sonho, que é
o alfa e o ômega de toda sua vida: um país onde esteja banida, para todo o
sempre a corrupção, a discriminação contra mulheres, o extermínio das crianças
e onde tremula, constantemente, a bandeira da liberdade e da democracia.
Lícia, na conquista deste sonho, não tem
descanso: defende prostitutas contra o arbítrio policial, da eterna assistência
à mulher presidiária, quer mais delegacias para a mulher e policiais femininas
especializadas no trato de problemas femininos, além de albergues para mulheres
vítimas de violência ou sob ameaça.
Passaram-se 135 anos daquele longínquo
1857 quando explodiu no mundo a luta pela igualdade da mulher. Passou mais de
um século e, graças aos céus, existe uma Lícia, desperta, cheia de entusiasmo,
pronta para a luta e disposta a tudo em defesa dos princípios que abraçou e que
acredita serem metas de um mundo melhor e mais feliz.
Cidadão de Porto Alegre, Lícia Peres,
baiana obstinada e corajosa, a Cidade que adotaste está, neste momento, neste
modesta homenagem, te agradecendo por tudo quanto fizeste por ela e por sua
gente.
E neste momento em que os Vereadores desta
Casa, por onde passaram homens ilustres, como o inesquecível Glênio Peres, cabe
lembrar que da mesma forma o povo desta Cidade recebe com afeto e apresenta seu
reconhecimento ao médico Boris Nadvorny.
Ele, igualmente, luta pela transformação
da realidade social e por uma melhor qualidade de vida para os seus semelhantes
que compõe as diversas classes sociais de nossa sociedade.
É a você, prezado homenageado, que no
desenvolvimento de sua atividade na área de psiquiatria salvou tantas vidas,
ajudando centenas e centenas de dependentes químicos a se livrar do vício do
uso das drogas. Que rendemos nosso apreço.
É a este renomado médico, incansável,
pesquisador, empreendedor e grande lutador no combate às drogas que nos
associamos através da defesa de Projeto de Lei pela prevenção do uso de drogas
pela juventude. E acreditamos alcançar um tempo em que a reintegração do
dependente químico ao convívio familiar, social e comunitário prevalecerá sobre
a distribuição indiscriminada de drogas em nossa sociedade. "Quanto mais
forte a prepotência dos poderosos tanto maior a luta."
Pelos serviços prestados à comunidade
porto-alegrense na área de medicina, por seu espírito de amor e doação ao ser
humano é que o povo de nossa Cidade, através de seus representantes, oferece a
honraria máxima desta Casa: Título de Cidadão Emérito de Porto Alegre, como
reconhecimento ao seu destacado trabalho em defesa da vida. Muito obrigada
Lícia Peres! Muito obrigada Doutor Boris Nadvorny!
(Não revisto pelo oradora.)
O
SR. PRESIDENTE: Antes de passar a palavra ao próximo
orador, gostaria de registrar a presença, nesta Sessão, dos Senhores Índio
Vargas, ex-Vereador deste Legislativo; Francisca Briozola; Télia Negrão,
representante da União Brasileira de Mulheres; Magali Barbieri, representante
do Conselho Estadual de Mulheres; Teresinha Verbo, Presidente da União de
Mulheres; Márcia Camargo, Coordenadora da Casa de Apoio Viva Maria; Lóris
Groseti, Presidente da Associação de Diplomados do Rio Grande do Sul; Marília
Guadi, Conselheira Geral do Clube de Mães; Danila Ortega, representante da
Associação Porto-Alegrense de Cidadãos.
Com a palavra, o Ver. João Dib, que
falará em nome da Bancada do PDS.
O
SR. JOÃO DIB: (Menciona os componentes da Mesa.) A vida nos
traça caminhos pelos quais nós nunca imaginaríamos passar. Hoje, nesta Tribuna,
vejo duas pessoas, que eu acompanhei longa parte de suas vidas, sendo
homenageadas, e homenageadas com justiça. Curiosamente, eu conheci os dois em
circunstâncias mais ou menos idênticas. A Lícia, casava com o Glênio Peres,
para delícia do Glênio, como dizíamos na Secretaria, e, a partir daí,
acompanhei seus passos, vi crescer e fazer seu trabalho, se doando a esta
Cidade, na solução dos seus problemas, e vi crescer cada vez mais o prestígio da mulher na coletividade
porto-alegrense. O Dr. Boris eu conheci casando com a Eva; e também acompanhei
em razão até da própria Associação dos Funcionários Municipais e o magnífico
trabalho que ele lá fazia com o Dr. Glei e o Dr. Vieira da Rocha. Então são
duas pessoas que hoje, com muita justiça, a Cidade homenageia. Ninguém recebe
uma homenagem só, algo deve ter acontecido. As pessoas que conviveram conosco,
as pessoas também recebem um pouquinho dessa homenagem. Hoje os amigos estão
também sendo homenageados, como também o Lorenzo está recebendo a sua
homenagem, porque vê na mãe o respeito que a Cidade lhe tributa, o mesmo
respeito que tributou a seu pai. Então, o Lorenzo fica muito satisfeito, muito
feliz (Palmas.) com a sua mãe sendo homenageada, e ele terá como exemplo, mais
uma vez que o que vale ó trabalho. Como é importante trabalhar, como é
importante ser correto, como é importante ser responsável, como é importante
ser digno, como é importante ser trabalhador, porque o Glênio trabalhou e a
Lícia continua trabalhando muito, e trabalhou muito. O Dr. Boris tem aqui, por
certo, o Nei e o Mauro, e também nos momentos mais difíceis deve ter encontrado
o apoio dos filhos, dos amigos, e deve estar dividindo esta homenagem que a
Cidade lhe tributa, e os seus filhos estão sabendo que é muito importante dar
de si o melhor. Vivemos momentos extremamente difíceis neste mundo. O grande
perigo da atualidade é o cansaço dos bons. Hoje a Câmara Municipal de Porto
Alegre está dizendo que a Lícia, o Boris, são pessoas muito boas. Deles, a
Câmara e, conseqüentemente, a Cidade de Porto Alegre esperam muito mais. Por
favor, continuem sendo o que foram até agora. Não cansem. Sejam, como até
agora, responsáveis, conscientes e continuem dando o melhor de si. Muito
obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE: Concedo a palavra ao Ver. João Motta, que
falará em nome da Bancada do PT.
O
SR. JOÃO MOTTA: (Menciona os componentes da Mesa.) Demais
Srs. Vereadores, Senhores e Senhoras, companheiros e companheiras presentes.
Talvez Fernando Collor de Mello tenha sido a personagem que mais reuniu em si
mesma os signos do grande espetáculo de impostura que o Brasil insiste em
apresentar ao mundo, faz muito tempo. Certamente foi vítima do seu próprio
exagero.
No País da democracia política, racial, e
sexual é preciso ser progressista, mas nem tanto. O destempero é capaz de levar
a população para a rua, que, pintada, realiza o impeachment, mesmo que não se
importe muito, ainda, com o simulacro da nossa democracia.
Diante disso é preciso ser radical. Como
o empresário Ricardo Semler que, ao analisar o movimento pelo afastamento
de Fernando Collor, estava mais
preocupado com as possíveis transformações na esfera dos valores da sociedade.
Radical aqui, nada tem a ver com os sonhos
autoritários e mirabolantes da esquerda autoritária falida; muito menos com o
resgate pré-histórico da direita totalitária. Radical sim, como forma de
encarar a realidade, entendê-la complexa e, mesmo assim, ter a coragem de
transformá-la.
A luta das mulheres deste país insere-se
na revolução dos valores da sociedade que precisa pintar-se -num grande
espetáculo- mas também precisa olhar para si mesma.
Radical; na luta das mulheres, tem vários
nomes, embora Lícia Peres consiga sintetizar em si mesma todos eles, todos os
tempos, todas as lutas. "Por isso, nesta Sessão, a Bancada do PT expressa
este reconhecimento à Lícia Peres que, à frente do Conselho Estadual dos
Direitos da Mulher, tem a coragem de encarar o problema do Planejamento
Familiar, sob a ótica dos que a entendem como um combate à esterilização em
massa das mulheres deste País; Lícia Peres que tem a coragem de enfrentar e
desmascarar a hipocrisia da discussão do aborto e da violência contra as
mulheres, entendendo o ser humano como sujeito decisivo de sua própria escolha;
Lícia Peres que se situa entre os radicais que querem a democracia política,
mas, também, a democracia dos valores, da aplicação das leis e das normas.
Lícia Peres que sabe que a democracia é, em última análise, resgatar a cidadania
dos homens e das mulheres deste País. Lícia Peres não uma impostura, mas a pura
realidade de uma sociedade que sabe afirmar novos valores.
Por tudo isso, nós, do PT, temos orgulho
de te chamar "Companheira Lícia Peres".
Nossa homenagem ao Dr. Boris Nadvorny.
Muito obrigado. (Palmas.)
(Não revisto pelo orador.)
O
SR. PRESIDENTE: Senhoras e Senhores, neste momento
convido a Verª Letícia Arruda, como autora das proposições, para que em
conjunto com o Prefeito Olívio Dutra, faça a entrega ao Dr. Boris Nadvorny, do
Diploma de Cidadão Emérito de Porto Alegre; e à Senhora Lícia Peres do título e
da medalha de Cidadã da Cidade de Porto Alegre. (Palmas.)
O
SR. PRESIDENTE: Passamos, agora, a palavra aos
Homenageados. Por uma questão de respeito a condição da Lícia, e da solenidade,
com a palavra a Cidadã de Porto Alegre, Lícia Peres.
A
SRA. LÍCIA PERES: (Menciona os componentes da Mesa.)
Companheiros e companheiras, entidades que, aqui, hoje, se fazem representar,
movimentos de mulheres que estão aqui neste momento.
Eu não fiz o discurso, apenas coloquei
alguns pontos que eu queria abordar nesta tarde de tanta gratidão, nesta tarde
em que recebo com muita honra, por iniciativa da Verª Letícia Arruda e
aprovação unânime dos Vereadores desta Casa, o Título de Cidadão
Porto-alegrense , a Cidade que eu adotei e que hoje me adota.
Eu gostaria de falar um pouco da minha
vivência em Porto Alegre, de dividir com vocês como foi esta experiência, que é
uma experiência tão particular e que fez construir dentro de mim este
sentimento tão profundo e tão verdadeiro que eu nutro pela nossa Cidade, pela
Cidade de Porto Alegre.
Eu quero confessar a vocês que, na
verdade, nunca pensei, em todos os meus tempos de criança e de adolescência,
deixar Salvador. Salvador para mim era uma coisa, assim, tão definitiva, a
minha família está em Salvador, mora na Bahia há muitos séculos, e eu tinha uma
vida em Salvador extremamente despreocupada. Eu tive a sorte de nascer numa
família que me proporcionou tudo: conforto, estabilidade emocional, afeto e
até, eu diria, uma superproteção, porque eu sou a única filha mulher de uma
família em que raramente nascem mulheres. Nascem, geralmente, mulheres, uma em
cada geração. Eu sou filha única de dois irmãos mais velhos, o meu pai só teve
uma única irmã, minha avó uma única filha, minha bisavó uma única filha, eu
tenho cinco sobrinhos, não tem nenhuma mulher. Então, eu sendo a filha mais
moça, vocês podem imaginar o que era em termos de carinho, de proteção e de
afeto.
Então, nunca, realmente, fez parte dos
meus planos deixar Salvador. Mas, eu vim para Porto Alegre como eu iria para o
Casaquistão, por pura paixão. Eu conheci o Glênio e me apaixonei, eu iria para
qualquer lugar, eu senti que aquele era o homem da minha vida. E, quando eu vim
morar aqui, porque a Bahia naquele tempo, vocês podem imaginar, eu dizia que um
dos homens mais importantes da minha vida era o carteiro. Aquele carteiro que
tinha me visto crescer. Eu reclamava com ele: "Olha, não chegou
carta?", eu era pequena, e ele me viu toda a vida, quando vinha carta, ele
acenava da esquina. Eu namorei por carta, porque Porto Alegre era o lugar mais
longe do mundo. Depois eu vou dizer a vocês porquê. Mas, havia ao mesmo tempo
uma Revolução Cultural na Bahia no meu tempo, era Caetano Veloso, Gilberto Gil,
Glauber Rocha com o cinema novo, então, a gente também de uma certa forma,
apesar daquele círculo familiar memorável e protetor, tinha todo um esquema
muito forte de Revolução Cultural que instigava a gente a pensar, a ousar. Eu
acho que eu devo muito também essa maneira de pensar à essa Revolução Cultural
que aconteceu na Bahia, na época em que eu morava lá. Então, eu queria dizer
para vocês que Porto Alegre, era o lugar mais longe do mundo, porque para
chegar aqui, a gente levava dois dias do Rio de Janeiro, tinha que esperar um
avião que tivesse conexão para cá. O inverno, quando eu cheguei aqui, eu achava
uma coisa assim, absolutamente terrível, e o que me ajudou muito, sempre, foi a
paixão pela leitura. Eu sou uma pessoas que até hoje acho que quanto mais eu
leio, mais aumenta o meu saldo negativo do que eu deveria ler. Então, a leitura
me ajudou demais no primeiro inverno e a conta bancária do Glênio diminuía cada
vez mais porque ele poupava para comprar passagem de avião, era o ir e vir da
minha família para cá, de cá para lá, o dinheiro que a gente segurava era para
viajar, por causa da questão da adaptação. Eu estranhava a comida. Eu chegava
em casa e o gaúcho oferecia muito churrasco, e eu dizia: Meu Deus, não dá para
cortar pedaços menores, fazer uma farofa de manteiga, fazer um molhozinho... E,
hoje, eu estou tão adaptada à comida, ao churrasco gordo, que até esta
adaptação, tão grande, é responsável por estes quilinhos extras, que a gente
vai adquirido com o tempo, e os hábitos da cozinha gaúcha. Eu me lembro que da
Rua da Praia, os costumes, eu estranhava demais, e as mulheres com aquele frio
todo, não iam na Rua da Praia com calça comprida, se chamava eslaque. A gente
tiritava, mas tinha que ir de saia, porque não era de bom tom usar calça
comprida.
Eu achava incrível a questão da franqueza
do gaúcho, porque a gente lá na Bahia, tinha uma coisa meio colonial,
geralmente franca, com os amigos íntimos e a família, as pessoas largavam as
coisas que pensavam de uma forma tão verdadeira, tão transparente, que eu
estranhava muito. Tem até um episódio, e eu já estava bastante adaptada, o
Glênio já tinha se elegido Prefeito, e nós fomos, num grupo, almoçar numa
churrascaria depois da posse e, estava uma amiga baiana conosco, e na hora que
o Glênio entrou disse: olha Glênio, parabéns. Desta vez eu não votei em você,
mas a sogra aqui, a mulher... e a minha amiga, que é baiana e não tem a
vivência do Rio Grande, dizia: Mas, meu Deus! Eu nunca vi dizer na cara que não
votou! eu já tinha achado naturalíssimo.
Coloquei um pouco da minha vida para
vocês, e sempre me perguntavam se eu tinha participado de concursos, e eu nunca
tinha participado de concurso algum. Aquilo me embaraçava, achava que era meio
porque o Diário Associados patrocinavam concursos. Eu não entendia muito bem a
pergunta- se eu tinha sido eleita?
Mas, o primeiro impacto que eu tive,
realmente, aquele impacto, onde a gente vai se conhecer, foi em março de 65, eu
casei em 26 de 64, 5 meses de casada, a minha família vindo para cá, para ver
de que forma nós estávamos instalados, quando o Glênio foi preso. Foi uma coisa
assim: a Polícia Federal estava na porta da Câmara, e de repente, ele pede à
Polícia para ir até em Casa para me avisar, e ele me diz: “Lice estão me
levando para um interrogatório, e a gente não sabia como era o interrogatório,
e você tome as providências se eu não chegar em 3 ou 4 horas”, e aí, realmente,
eu tomava iniciativas, quando era necessário, fui falar com o Cândido Norberto,
fui para as televisões e fiquei na Praça da Matriz, onde a polícia o
interrogava até as 2h da manhã, exigindo, com um grupo, que o libertassem.
Então, foi o primeiro tratamento de choque que tomei em termos de experiência.
Tinha 5 meses de casada. A grande escola política, minha, foi a universidade.
Na universidade, quando entrei nós sentíamos na carne o que era a ditadura.
Para se ter uma idéia, nós não tínhamos acesso ao livro, o instrumental básico
para a formação de qualquer intelectual. Os nossos livros vinham
clandestinamente do Uruguai. Eu li a ideologia alemã trazida por um colega de
forma clandestina, como se o livro fosse algo vedado a quem precisava dele,
justamente para fazer o seu instrumento de análise. Eu fiz Ciências Sociais.
Nós víamos as dificuldades para que os professores pudessem dizer aquilo que
pensavam. Eu lembro que tinha um professor, que sabendo que tinha um "dedo
duro", que tinham pessoas que eram da polícia, ele fazia malabarismos
verbais. Marx, para ele, era o ideólogo alemão, ele não dizia o nome; Classe Dominante
era a minoria que esta no vértice da pirâmide social, e por aí ele ia, nós
entendíamos como podíamos, mas, na verdade, eram malabarismos porque as coisas
não podiam ser claras. E, aí, nós estudantes fomos para a rua com todos os
ônus, com todos os riscos, nós enfrentamos a ditadura na rua, fazendo passeatas
e manifestações, subindo em caixa de maçã, pregando e combatendo. Foi a minha
escola política, foi realmente a universidade, as lutas estudantis. Depois,
sempre digo, que aquele bar da Faculdade de Filosofia, era o bar Dom Juan da
minha vida, lembrando Antônio Calado. Naquele bar, nós sonhamos em derrubar a
ditadura, nós sonhamos com uma sociedade de iguais, uma sociedade nova, então
aquele bar, aquele tempo que a gente passava ali naquele bar planejando que
faríamos, realmente foi um período de muita riqueza, de muita experiência, onde
eu muito aprendi. Depois, houve a formação do Movimento Feminino pela Anistia,
e o início do Movimento Feminino pela Anistia, muito importante resgatar essa
experiência, uma experiência tão rica na história brasileira, começou quando
Dilma Linhares saiu da prisão onde ela tinha estado com Terezinha Zerbini, veio
ao Rio Grande do Sul e me procurou, trazendo uns papéis. Terezinha Zerbini
delegou a ela essa missão de procurara alguém que organizasse o Movimento
Feminino pela Anistia. Logo que a Dilma me procurou e eu aceitei essa tarefa,
eu me lembrei que a companheira Mila Cauduro, a quem eu tinha conhecido em
1974, na campanha eleitoral, tinha, em sua campanha para Deputada Estadual,
pregado a anistia.
Eu assisti a Mila dizer em sua campanha:
"Nós temos que ir a Jaguarão e atravessar aquela ponte para buscar Leonel
Brizola." E aquilo me impressionou muitíssimo. Então, naquele momento, eu
telefonei para Mila, para a companheira Quita Brizola Rota, e, na casa da Mila,
a companheira Lígia de Azeredo constituiu um grupo, um núcleo da Anistia. Nossas primeiras reuniões foram
na Associação Riograndense de Imprensa e resolvemos coletar assinaturas em toda
a Cidade. Então, nós passávamos a lista e explicávamos o que era Anistia, a
importância de um país não colocar seus líderes no exílio e de um clima de
liberdade e democracia.
E hoje eu entendo porque os livros eram
tão perigosos. O Göebel já dizia: "Cada vez que eu ouço falar em cultura,
eu tenho vontade sacar minha pistola." Porque os livros significam a
universalidade do pensamento. O livro é sempre o contraditório. A gente se
supera, a gente aprende e cresce na leitura. Então os livros eram temíveis como
o são em todas as ditaduras.
Então ei fui eleita a primeira presidente
pelo Movimento da Anistia no Rio Grande do Sul. Fiquei um ano e meio na
presidência e depois passei para a vice-presidência -o Gênio era candidato- e a
Mila passa para a presidência e fica até ser assinada a Anistia.
Fazendo justiça, nós tivemos apoios
extremamente valiosos. O apoio do Glênio foi fundamental. Ele era um líder do
MDB na Câmara e conseguiu o Plenário da Câmara para instalar o Movimento de
Anistia. Veio a Terezinha Zerbini aqui, o Plenário lotado, o IEP datilografou
os convites, nós enchemos aquele Plenário e instalamos o Movimento Feminino
pela Anistia no Rio Grande do Sul, oficialmente.
A Terezinha Zerbini sempre diz: "Nós
não teríamos a abrangência do movimento se o RS não tivesse respondido
imediatamente àquele apelo.
Gostaria de resgatar alguns apoios muito
importantes. O Glênio foi cassado no 5º mandato, denunciando as torturas, os
companheiros que estavam nas prisões. Foi cassado e depois retomou o mandato.
Nós também tivemos o apoio de um
funcionário da Assembléia, Tapir Rocha, e de sua família. Um apoio que foi de
uma ousadia tremenda. Ele e sua filha era um grupo extremamente ousados que
foram de primeira linha. O companheiro Carlos Augusto de Souza era Deputado e
Vice-Líder do MDB, e o gabinete dele era uma base do movimento de Anistia. O
José Carlos Oliveira, o Zézinho, falecido recentemente, foi uma força enorme,
trabalhava com o Porfírio Peixoto, nós tomávamos conta daquele gabinete. O
Companheiro Rubem Almeida Costa, com sua esposa Lígia, foi também um enorme
auxílio. E fora do próprio movimento nós encontrávamos companheiros combativos,
a Jussara Cony e tantas outras lideranças que se somavam a nós nessa luta, que
era uma luta pela libertação do povo brasileiro. Inestimável era o apoio da
juventude que somou conosco em todos os movimentos de rua. Era o Marcos, o
grupo do Raul, um grupo muito grande com coragem e idealismo. E a juventude
realmente fechou com o movimento de anistia logo. Tivemos alguns momentos que
eu gostaria de rememorar: a campanha dos três Flávios. A Campanha da Flávia
Schillin, do Flávio Koutzii e do Flávio Tavares. Então nós fizemos campanha de
rua, levantando a questão da necessidade de trazer de volta os nossos
companheiros que estavam nas prisões no exterior. Nós tivemos também nas
viagens para o interior, nas viagens fora do Brasil, um grande apoio. Em Santa
Maria nós tivemos um grande apoio do casal Adelmo e Eli Genro, pais do Tarso
Genro. Seu pai organizou, na Sessão da OAB em Santa Maria, um encontro. Convocou
a cidade. Eu fui para lá. Falamos em Santa Maria e, no dia seguinte, estava na
"Razão", de Santa Maria, na primeira página, questão da luta pela
anistia. Depois nós estivemos, no dia seguinte, agradecendo o apoio no interior
do Estado. Quer dizer, nessa situação difícil, alguns episódios ficaram, hoje,
na história da luta da resistência democrática. A missa do 30º Dia de João
Goulart, quando, na escadaria da Catedral, nós estávamos juntas e a Mila grita:
"Anistia!" se desencadeou o maior processo de repressão que eu já vi,
300 brigadianos espancando a população, empurrando a população para dentro da
igreja e foi um movimento e a gente resistindo. No Jornal do Brasil, no dia
seguinte, estava, em manchete: "A polícia contra o povo desarmado."
Mas as mulheres lançaram o grito da anistia e resistiram, na medida em que era
possível. Nós fizemos o que tinha de ser feito naquela hora. Isso é
extremamente importante. No enterro do João Goulart, a faixa
"Anistia", que o Glênio tinha oferecido ao Movimento, foi colocada no
esquife e muitos exilados que viram aquela foto disseram que começaram a
acreditar que voltariam ao Brasil quando eles viram nos jornais, de todo o
mundo, em cima do esquife do João a palavra "Anistia". Eu aprendi
muito, meus amigos, minhas amigas! Eu aprendi muito durante esses anos em todas
essas lutas. Eu aprendi com muitos exemplos a que assisti. Um exemplo, o da Ene
Basques, que está aqui, que no momento em que ela assina aquela lista da
Anistia. Ela viúva, com 7 filhos, é chamada pelo Diretor da escola em que
lecionava e quando comenta que tinha um movimento e que ela tinha assinado, o
diretor chama-a e diz: "Ou você retira a sua assinatura ou é
despedida". Eu e a Dilma estivemos na casa dela e dissemos: Ene, você tem,
sete filhos, é uma professora, precisa do emprego; se você quiser a gente
retoma essa lista. E ela disse: "Não eu vou a ele e vou dizer que mantenho
a minha assinatura." Ela manteve a assinatura e perdeu o emprego.
(Palmas.)
Outro exemplo, o translado do corpo do
Sargento Raimundo Soares, do caso das "Mãos amarradas" que para mim
foi uma coisa! Um dia esta história terá que ser escrita, mas a gente também
aprende a silenciar. Quando veio Elizabeth Soares, a viúva do sargento Raimundo
Soares, do caso da "Mãos amarradas", ela ficou hospedada na minha
casa. Ela estava tremendamente traumatizada. À última vez que ela tinha estado
em Porto Alegre, ficara 14 horas sob interrogatório. Ela foi para o Rio de
Janeiro, absolutamente apavorada com as circunstâncias da morte de Raimundo Soares.
E ela, depois, me relatou isso. Foi uma coisa muito interessante. Naquele dia,
depois do enterro, ela disse: "Lícia, eu precisava de uma coisa, quando eu
deixei, treze anos atrás, o Rio Grande do Sul, eu tinha umas cartas em meu
poder." Eram as cartas que o Raimundo tinha conseguido passar para ela, da
prisão, citando nomes, com medo de ser morto. E, naquele momento, eu estava tão
apavorada que uma pessoas da área da Justiça disse a ela: "Elizabeth, me
entregue as cartas, e no dia em que você voltar, só para você eu devolvo."
E ela foi embora para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou ao Rio Grande.
Quando eles entraram em contato com a Anistia, nós prometemos que daríamos
proteção a ela. E nos comprometemos a dar. Ela ficou na minha casa, hospedada,
e me disse que tinha uma vaga idéia de onde era a casa. Saímos de carro,
perambulando pela Cidade. E, de repente, ela acha a casa. E disse que era ali
que ele morava.
Salta e eu fico no carro, e ela volta com
as cartas na mão. Esse homem guardou. Para vocês terem uma idéia, a casa dela
foi 5 vezes arrombada no Rio de Janeiro, com as portas colocadas abaixo,
tentando encontrar um indício de que ele teria se comunicado. E no momento em
que ela entra, esse homem diz a ela: "A promessa está cumprida, as cartas estão
aqui." Foi o que deu início ao processo que hoje ela tenta, sobre a
responsabilidade do assassinato do caso Raimundo Soares. Um outro episódio,
extremamente importante, foi o seqüestro da Revista do Henfil aqui. Quando
esteve aqui a Ruth Escobar, eu mandei um bilhete a ela pedindo que ela
anunciasse que iria ter um evento da Anistia, que iria haver um encontro. O
diretor do teatro disse que ela não falaria no teatro e ela responde: "Do
palco para dentro, eu faço o que quero", pára o espetáculo e anuncia que
haveria um encontro da Anistia. No dia seguinte, a revista é seqüestrada, os
integrantes são submetidos aos maiores vexames. Nós fomos, de madrugada, para a
Polícia Federal, e ali a gente presenciou o que é o desrespeito e a violência.
E, depois de muitas discussões, eles foram libertados. Nós vimos o que é a
combatividade. E, a partir disso aí, depois, em 78, é fundado o CBA. Nós
estávamos militando desde 75, e aí o movimento cresce, se amplia, toma grande
força. E nós fomos a Brasília negociar a anistia com Teotônio Villela, levando
a mulher do Fernando Santa Cruz, Ana Santa Cruz, pois não aceitávamos que não
houvesse investigação. Foi uma negociação dura. Eles chamavam nossos
companheiros, que pegaram em armas contra a ditadura, de terroristas. E a gente
fincou pé em Brasília, e não aceitávamos uma anistia que não fosse ampla, geral
e irrestrita. Mas, a partir daí, esta luta, esta bandeira, já tinha tomado
conta das consciências brasileiras. Com a ajuda do Henfil, com a ajuda de
tantos intelectuais que incorporaram o desejo e a necessidade de ver a pátria
sob a bandeira da liberdade.
Conheci muitas pessoas que me marcaram,
naquela Comissão de Mortos e Desaparecidos. E tenho a imaginação muito viva,
pois quando as pessoas me falam, incorporo e é como se estivesse vendo. Conheci
mulheres de exemplo extraordinário: a Maria Augusta Capistriano da Costa, viúva
do desaparecido Capistriano da Costa. Aquela mulher completamente destruída
pela inquietação, pelo desespero, mas com uma firmeza extraordinária. Conheci a
Maria da Conceição Coelho da Paz, que tinha sido torturada pelo Fleury,
pessoalmente, com todos seus ossos das mãos quebrados e dentes arrebentados,
ela era mãe do Nélson Coelho da Paz, que estava no exílio por 99 anos de
prisão; uma mulher valente. Foi ela quem me fez conhecer a Susana Lisboa, que
hoje continua no rastro, pois conseguiu encontrar o corpo do José Eurico, mas
não desiste de saber mais sobre a morte dele. A Susana, companheira querida e
que respeito tanto, que sofreu tanto, tanto luto, tanta dor.
Em 1976 o Ver. Omar Ferri, desta Casa,
teve um papel importante no seqüestro de Lilian e Universindo. Em 76, o marco
em minha vida foi a ida ao exílio encontrar Leonel Brizola. Fui com o Glênio,
que intermediou com o Seu Guaragna. Quando saímos de lá, de um longo encontro
com Brizola, fiz minha opção pelo trabalhismo. Realmente fiquei empolgada com a
visão que ele tem dos problemas do Brasil, com a visão internacional que ele
possui da conjuntura internacional e o profundo amor que Leonel Brizola dedica
a este País. Naquele momento pensei: no momento em que vier a anistia, com
certeza, vamos assumir o partido que Brizola liderar.
O último ato que fizemos, em 79, a última
homenagem a tudo isso foi a "Chamada aos mortos e desaparecidos",
cujo ato era "traga um flor aos mortos e desaparecidos", chamando um
a um, no Largo da Prefeitura. O Prefeito e as pessoas depositavam no chão o seu
tributo, enquanto chamávamos um a um o nome dos mortos desaparecidos, citando
as circunstâncias em que eles tinham desaparecido e morrido nas prisões.
Então, a partir desta opção pelo
trabalhismo, hoje sou membro da Direção Nacional do PDT, da Direção Estadual e
uma das fundadoras da Ação da Mulher Trabalhista do PDT. Falando sobre a
questão da mulher, essa foi uma questão que sempre me arrebatou. Estão aqui as
companheiras do movimento de mulheres, do conselho. Sempre percebi que dentro
da diferença havia diferenças. Dentro das diferenças de uma sociedade
hierarquizada havia ainda diferenças mais profundas, que havia discriminações,
que havia violência, que havia desigualdades que se abatiam mais sobre o
segmento feminino. E hoje, quando a gente olha a própria Cidade de Porto
Alegre- eu estou falando na Câmara- a gente vê que uma Cidade não é igualmente
apropriada por todos, que há lugares em que, praticamente, as mulheres não
podem ir sem seres humilhadas, molestadas ou importunadas. Nós vemos como é
difícil conseguir mudar os costumes, conseguir trabalhar analisando o mundo do
trabalho. Por isso é que na medida em que assumimos o Conselho, nós fizemos uma
denúncia ao Ministério Público, contra todo tipo de proibição ao trabalho
feminino, por critérios de sexo, idade, cor ou estado civil. Nós denunciamos a
violência contra todas as mulheres; nós pregamos e procuramos trabalhar
políticas públicas; apresentamos um plano ao Secretário Júlio Ochsmann, não
mais naquela visão materno-infantil, mas a mulher em toda a sua abrangência, em
todas as fases da sua vida. E hoje nós estamos pregando a necessidade de
Conselhos Municipais dos Direitos da Mulher, para que ela realmente participe
das políticas públicas e seja considerada nas necessidades, naquilo que é mais
importante: a creche, o direito ao trabalho, o direito ao respeito. Então nós
temos procurado, dentro do Conselho, fazer um trabalho sem ver se um projeto é
de um vereador ou de um partido, porque um conselho é um conselho plural, que
reflete a pluralidade da sociedade. Temos procurado fazer este trabalho isento,
para ver o que faz avanças em termos da política da cidadania feminina. Ali, o
Conselho está, ali, o Conselho coloca os seus esforços. E as nossas
companheiras, a Teresinha, recebendo aquelas mulheres, tantas companheiras aqui
do Conselho, a Vera, a Délia, a Magali, tantas companheiras que partilham, que
me ajudam e com quem eu aprendo a cada dia. Eu queria colocar para vocês,
também, a minha relação com a Câmara de Vereadores. A minha relação,
companheiro Dilamar Machado, com a Câmara, é uma relação que já vai para 28
anos. A Câmara foi, aqui nesta Cidade porque a Câmara não era neste local, era
perto da Prefeitura velha- local onde Glênio exerceu seu amor pela Cidade.
Durante 20 anos ele se preocupava, ele tinha uma visão e ele sofria, porque via
a Cidade se deteriorando em função de um modelo nacional que excluía grades
segmentos da população. Quando eu vim morar aqui, o Glênio me dizia:
"Lícia, o churrasquinho do domingo é uma tradição da Vilas, todos lugar
faz o seu churrasquinho. E a gente via o empobrecimento, a degradação das
vilas, aquelas pessoas que não têm esperança, que não têm emprego, que vão para
de baixo do viaduto. E vimos o que um sistema concentrador de capital, um
sistema excludente faz para as cidades brasileiras. Porto Alegre sofre esses
reflexos duma política nacional.
Acompanhei Glênio nas vilas. Eu via,
dia-a-dia, isto. Depois, quando eu fui da direção cultural da FRACAB, eu
constatava as dificuldades da nossa gente e a luta por uma vida mais digna.
Eu queria colocar para vocês que a Câmara
também teve momentos que eu considero momentos definitivos em minha vida.
Quando, depois da anistia, o Glênio e o Marcos tomaram posse, na ocasião era o
Ver. Cleom Guatimozim quem presidia a Câmara e deu a posse, com todas as
ameaças da Polícia Federal, que depois cercou o prédio. Eles decidiram e nós fomos
juntas, Mila, todo o grupo. Em quatro minutos que durou a Sessão eles foram
empossados. O Petrônio Portella no telefone dizendo que se eles fossem
empossados haveria intervenção do exercício. E a Câmara de Porto Alegre foi
exemplar. A Câmara de Porto Alegre se colocou ao lado do povo, ao lado da
justiça, ao lado da verdade. (Palmas.)
É por isto que eu respeito profundamente
o trabalho dos Vereadores. Acho que é um trabalho extraordinário o trabalho que
eles fazem, lutando pela Cidade, tentando fazer com que esta Cidade se torne
melhor e as dificuldades que se tem, a partir deste modelo, que é um modelo
nacional e que exclui mesmo e que marginaliza segmentos imensos da população.
Vamos ter agora uma promoção conjunta da Câmara e do Conselho da Mulher, quando,
nos próximos dias, será o lançamento do Guia da Mulher Contra a Violência.
E, para finalizar, não poderia deixar de
dizer duas coisas: o quanto o Glênio foi importante na minha vida para que eu
me tornasse o que sou. O Glênio era uma pessoa que acreditava que o companheiro
não pode ser pedra no caminho da companheira, lembrando Drumond. O Glênio
achava que o companheiro deveria ser estímulo, braço e abraço para que aquela
companheira pudesse crescer. E eu cresci muito, mas muito mesmo, na companhia dele.
Em relação a Porto Alegre, nesta Cidade
com o pôr do sol mais bonito do mundo, que tem no seu coração, hoje, Prefeito,
o Largo Glênio Peres, nesta Cidade, eu me reconstituí como pessoa, em me
conheci e me reconheci aqui, eu me constituí como cidadã. E eu devo muito a
esta Cidade onde nasceu o meu filho Lorenzo, para grande orgulho meu Lorenzo é
porto-alegrense, nasceu aqui em 1985. E nesta Cidade eu presenciei um milagre
que eu não posso deixar de referir a vocês. O milagre da reconstrução do Teatro
São Pedro. Eu digo que é um milagre porque eu vi o Teatro São Pedro nos
escombros, eu vi o Teatro destruído, e não vou dizer que esse milagre foi feito
por uma fada, porque geralmente as fadas fazem coisas com muita facilidade, e a
Eva Sopher levou 10 anos para devolver não só para o Rio Grande do Sul, como
para o País este patrimônio cultural inestimável que é o Teatro São Pedro.
Então, eu vi milagres, e um dos milagres que eu assisti é o reerguimento do
Teatro São Pedro.
Eu terminaria dizendo o seguinte, lembrando
o Poeta Carlos Nejar quando ele fez considerações sobre a falência, ele diz em
todo tempo num poema chamado "Considerações sobre a Falência":
"Falir é previsto, o imprevisto é o sorriso", e Carlos Nejar durante
todo o poema ele diz "Quem não faliu? No pecúlio ou na bolsa de valores?
Quem não faliu no amigo, no inimigo? Mas falir é previsto, o imprevisto é o
sorriso". Eu posso dizer a vocês que durante todas as falências que todos
nós temos, todas vez que a vida nos apronta, nos apanha e nos vulnerabiliza,
toda vez que a gente se fragiliza ao longo da vida eu nem por um minuto me
senti só. Durante todo o tempo eu tive a solidariedade dos meus amigos daqui do
Rio Grande do Sul. Se o gaúcho não se derrama em agrados, o gaúcho é
extremamente firme e sincero nas suas amizades. Em todos os momentos onde a
vida endureceu os sorrisos certos da Mila e do Raul, da Dilma e do Carlos, a
Família Menna Barreto, da Maria Flor, nossa querida Maria Flor, da Enide, da
Evelyn, do Ivan, dos amigos que estão aqui, agora o Gastal foi homenageado na
Feira do Livro, a Diná, o Goida, e tantas pessoas que estão aqui hoje
presentes, que seria exaustivo nomear. Mas que em todos os momentos, todos
foram sorrisos certos. Todos foram pessoas que estiveram ao nosso lado e eu
posso dizer para vocês que, olhando para trás, eu começaria tudo outra vez,
como diz Gonzaguinha "se preciso fosse". Essa luta eu começaria de
novo, para que se faça aquilo que é necessário. E agradeço assim, de coração,
ao companheiro Dilamar Machado, à Câmara de Vereadores, agradeço a todos os
Vereadores. Um agradecimento especial e o meu abraço à Vereadora Letícia
Arruda. E podem crer que daqui para frente vai ser com muito orgulho e alegria,
que a todos que me perguntarem, de onde venho, eu vou afirmar, com muita honra:
sou porto-alegrense! Muito obrigada.
(Não revisto pelo oradora.)
O
SR. PRESIDENTE: Senhoras e Senhores, temos a honra de
passar a palavra, neste momento, a outro homenageado desta Sessão Solene,
Ilustre Médico Boris Nadvorny, Cidadão Emérito de Porto Alegre.
O
SR. BORIS NADVORNY: (Menciona os componentes da Mesa.)
Famílias aqui presentes e amigos. À um técnico acostumado a lidar com as
emoções alheias, cabe neste momento lidar com suas próprias emoções, ainda
ligadas à surpresa, quando fui informado que por Projeto de Resolução da
Vereadora Letícia Arruda, os nobres Vereadores de nossa Comunidade haviam me
concedido o título Honorífico de Cidadão Emérito da Cidade da minha querida
Porto Alegre, Cidade onde nasci e até hoje tenho vivido.
Ainda não bem refeito da surpresa,
procurei fazer o retrospecto da minha vida, para encontrar a justificativa do
honroso título. Filho de pais imigrantes, gente humilde, trabalhadora, apesar
de analfabetos, souberam transmitir aos filhos a crença no trabalho, no estudo,
no valor da honestidade, no espírito de colaboração de um para com os outros e,
acima de tudo, no valor da dignidade. Comecei a trabalhar quando ainda criança
em tinturaria, armazém e em loja como balconista. No ano de 1954 servi como
soldado no segundo Regimento de Cavalaria Mecanizada. Devido a dificuldades de
várias ordens, só consegui concluir minha alfabetização após adulto, o Curso de
Medicina aos 42 anos de idade e o de Pós-Graduação em Psiquiatria aos 45 anos.
No transcorrer da Cadeira de Psiquiatria,
efetuada no Hospital Psiquiátrico São Pedro, no meio a inúmeros pacientes com
perturbação mental, chamou-me a atenção o problema dos alcoolistas. Eram
pacientes que baixavam em péssimo estado físico e mental e em lamentáveis
condições de higiene. Quando já se encontravam melhor, ficavam lúcidos e
espontaneamente contavam os horrores pelos quais tinham passado. Reconheciam
que todos o seu mal residia na ingestão de etílicos e garantiam que nunca mais
iriam tomar bebidas alcoólicas. Porém, após a alta, em pouco tempo recaíam e
voltavam nas mesmas precárias condições, reiniciando no ciclo.
Daí nasceu me interesse por pacientes que
apresentavam dependências, tais como: álcool, drogas e tabagismo. Assisti e
participei com trabalhos em diversos Congressos Nacionais e Internacionais que
versavam sobre o tema das dependências. Visitei pessoalmente vários serviços
que tratavam estas dependências, na América do Sul, Central e do Norte, Canadá,
Europa e Israel, sempre em busca de maiores conhecimentos que pudessem me
ajudar a entender e tratar melhor as vítimas destas enfermidades. Ainda durante
o meu Curso de Pós-Graduação em Psiquiatria, já trabalhando junto à AFM
(Associação dos Funcionários Municipais), por sugestão minha, foi criada a
Comunidade Terapêutica da AFM, para dar atendimento aos pacientes psiquiátricos
funcionários municipais e a seus dependentes.
Logo após minha formatura, eu e mais seis
colegas, fundamos o "PAP", Plantão de Atendimento Psiquiátrico,
primeiro pronto socorro psiquiátrico a funcionar em Porto Alegre.
Em 1972 colaborei na fundação do 1º Grupo
de Alcoólicos Anônimos da nossa Cidade, o qual funcionou nos seus seis meses
iniciais na sede da AFM. No ano seguinte, em 1973, eu junto a um pequeno grupo
de alcoolistas recuperados, oriundos da Comunidade Terapêutica da AFM, fundamos
a ABCAL (Associação Brasileira de Combate ao Alcoolismo), entidade sem fins
lucrativos, criada com o objetivo de dar tratamento a pacientes alcoolistas sem
recursos econômicos. Com as mesmas características desta entidade, fundei em
1976 a ABEF (Associação Brasileira de Estudos das Farmacodependências), para
dar atendimento gratuito a dependentes de drogas. Em 1977 fundamos a Clínica
Jellinek, que se dedica somente ao tratamento de casos difíceis de dependências,
principalmente de drogas, razão pela qual recebemos pacientes de todo o Brasil
e inclusive da Argentina e Uruguai.
Sabe-se que ajudar dependentes sempre
representou um desafio, porém, tratar de dependentes que não querem se tratar,
que são agressivos, indisciplinados e que apresentam constante risco de fuga, o
desafio torna-se muito maior. Principalmente com drogados aumentam as
dificuldades, devido às novas drogas que surgem, as novas modalidades de
tráfico dos que com elas comerciam, os riscos permanentes de óbitos por
superdose, acidentes, suicídios, homicídios e, mais recentemente, seu grande
aliado, a AIDS.
Após estes 15 anos de funcionamento,
entendemos que chegou o momento de transmitirmos aos mais jovens nossa
experiência e no ano passado começou a funcionar na nossa Clínica o Curso de
Pós-Graduação em Psiquiatria para médicos e psicólogos, com ênfase no estudo
das dependências, que acredito ser o primeiro e até agora o único, com essas
características, no nosso País.
Este ano na Rua Cabral passou a funcionar
o Centro Integrado de Psicoterapia, onde os pacientes, principalmente crianças
enviadas por escolas públicas, recebem tratamento, mas com a característica do
pagamento ser de acordo com a rena familiar.
Gostaria de concluir afirmando que se
algum mérito me cabe, foi de saber me espelhar nas boas qualidades de meus
pais, professores, patrões, funcionários e, atualmente, meus alunos e, se
alguma qualidade eu tive, foi a de saber me rodear de pessoas de valor, junto
com as quais trabalhamos e continuaremos trabalhando com o objetivo de dar a
parcela de colaboração que nos cabe, para melhorar as condições de vida dos
nossos pacientes e seus familiares e, conseqüentemente, da nossa Comunidade em
geral.
Não posso deixar de reconhecer, que não foram
raros os momentos difíceis na minha vida, mas também não posso deixar de
reconhecer que a recuperação de milhares de pacientes, a experiência adquirida,
a qual melhorou as expectativas de melhores resultados nos próximos pacientes,
uma homenagem como esta, fazem-me sentir amplamente gratificado.
O
SR. PRESIDENTE: Convidamos o Nobre Ver. João Motta, Líder
da Bancada do PT, para prestar homenagem especial a nossa querida Cidadã Lícia
Peres.
(A homenagem é prestada.)
O
SR. PRESIDENTE: Antes de encerrarmos a Sessão gostaria,
em nome da Ver. Letícia Arruda e de todos os Vereadores desta Casa, de
agradecer a presença honrosa de todos os amigos aqui presentes e destacar a
presença honrosa do nosso Secretário Estadual da Fazenda, Orion Cabral.
E gostaria de dizer que foi efetivamente uma Sessão muito importante para nós Vereadores. E para quem não conhece bem a sistemática dos Títulos de cidadãos eu explicarei a diferença entre o Título Honorífico de Cidadã de Porto Alegre e o Título de Cidadão Emérito. O Título de Cidadão de Porto Alegre é oferecido a pessoas que prestou relevantes serviços a Porto Alegre e sendo que esta pessoa não é de Porto Alegre. E o Título de Cidadão Emérito é para aquela pessoas que, mesmo sendo de Porto Alegre, prestou relevantes serviços a Porto Alegre. Mas, ambos, a partir de hoje, são porto-alegrenses, e eu só posso dizer que a Cidade se engrandece, e o faço em nome do Prefeito Olívio Dutra e dos Vereadores. A Cidade de Porto Alegre a partir de hoje é mais rica pela cidadania da Lícia e pela cidadania Emérita do Boris.
Para encerrar, eu quero que não me interpretem mal, não é uma questão ideológica nem política, para cumprimentar os nossos homenageados, tanto amigos e familiares do Boris e da Lícia entrem pela direita e saiam pela esquerda.
(Levanta-se a Sessão às 18h46min.)
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